Novelos

Não seja diabólico! Não divulgue a ninguém o seu espantoso final!

Havia estórias indescritíveis, publicitariamente falando. O folheto dava conta da impotência: "Não se pode descrever a história engraçadíssima dêste filme em que Fernandel hipnotisado se sente a viver na época de Francisco I de França". Havia estórias em que se pedia ao espectador para não divulgar o final aos amigos, mesmo que o filme só passasse uma vez na Lousã: "Não seja diabólico! Não divulgue a ninguém o seu espantoso final!" pedia o cartaz de "AS DIABÓLICAS", exibido em 1960. Em 1937, alguns cartazes preferiam ocupar o espaço com slogans em letras mais gritantes, do que arriscar resumo do argumento que levasse o espectador a desinteressar-se pelo filme. Ficava, mesmo assim, a promessa do argumento, mas apenas para o dia do espectáculo: "Leia V. Exa. o argumento dêste filme, que se distribuirá no dia do espectáculo".

Se nalguns casos se poupavam detalhes quanto ao argumento do filme, já noutros se sentia preocupação em revelar antecipadamente o fio condutor da estória. Em "EU FUI UMA ESPIA", o detalhe desaguava curiosamente em interrogação dirigida ao leitor do cartaz: "Á face da consciencia dos Homens, será CRIME uma Mulher em campo inimigo -- onde perderam a vida seu Pai, Irmão e Noivo -- auxiliar, ao serviço da espionagem A SUA PATRIA???" O desnovelo continuava, agora barrado por exclamação: "E, todavia, essa Mulher que é uma espia ao mesmo tempo, mártir e heroi, trata o inimigo com carinho e disvelo, percorrendo, como enfermeira, salas enormes, onde o silencio é perturbado com gritos de dor de agonias lentas!"

Quando o cartaz poupava pormenores, prometia-se detalhe à entrada do Cine-Teatro: "Leia V. Exa. o argumento deste filme, que se distribuirá no dia do espectáculo", sugeriam os folhetos promocionais de "O Ultimo Milionario", "O Príncipe da Meia-Noite". Em "A MELODIA PROÍBIDA", filme musical, o escarrapachar do novelo era substituído por um elenco das razões suficientes para homens e mulheres comprarem bilhete. Homens e mulheres, porque a satisfação publicitada não era unisex: "A melodia proíbida, cheia de beleza, diferente de todos os outros, é um filme de José Mojica que vai apaixonar as plateias, graças às suas qualidades. As mulheres terão em Mojica a encarnação fiel do príncipe dos seus sonhos. Os homens serão conquistados pela graça de Conchita Montenegro e Mona Maris e ainda pelo núcleo de mulheres formosisimas, que exibem a sua nudez nas paisagens magníficas do Mares do Sul!" Caso para notar que os homens careciam de mais argumentos para se contentarem...

Em "O TRIUNFO DO TANGO" contava-se tudo, bastava ao espectador confirmar depois no écran: "RESUMO DO ARGUMENTO: Em virtude da crise, o governo argentino cedera aos desempregados um grande terreno nos arredores de Buenos Aires, para eles construirem os seus abrigos. E assim, se formou o pitoresco bairro de Puerto Nuevo, onde reinava a miséria sim, mas onde se respirava ar puro, muito Sol e muita alegria. A pobresa não é obstaculo para que se cante e foi isso que surpreendeu Raquel, uma rica jovem de sociedade, que por ali passara no seu automovel, ouvindo um rapaz cantar com esplendida voz, melodiosas canções. Forma o projecto de o auxiliar, obtendo a sua estreia num teatro. Mas, o noivo não vê com bons olhos aquele estranho que lhe vem roubar parte da atenção que a noiva lhe dedicava, e em que ele, vê um possivel concorrente ao negocio, que para ele, crivado de dividas, representa o casamento. É companheiro de Carlos, o jovem cantor, outro sem trabalho, boémio incorrigivel, espirituoso, e cheio de bom senso que o acompanha nessa aventura. Raquel encontra grandes dificuldades em lançar o seu protegido. Custa-lhe isso bastante dinheiro que ela emprega em segredo. E mais tarde, quando o rapaz triunfa, ela tem o merecido prémio do seu amor". Quem falhou "O Triunfo do Tango" não precisou de se aquietar: Raquel e o mocito pobre coincidiriam no altar... Por vezes mandava a prudência que se guardasse o final para o deleite da sala escura, e se não escancarasse logo no frio papel do folheto promocional. Em "A CARGA DA BRIGADA LIGEIRA" contava-se muito, mas o fim escondia-se nas reticências: "Não quis porém o destino que Surat morresse sem tirar desforra. E então...".