Fotoradiografias IV

REPÓRTERES FOTOGRÁFICOS TAMBÉM... SÃO JORNALISTAS

Bruno Neves*

O tema da minha comunicação diz respeito à falta de respeito de que são alvo os repórteres fotográficos nas Redaccões e fora delas.

FOTÓGRAFOS E JORNALISTAS

A relação actual entre jornalistas e fotógrafos é a marginalizacão destes por aqueles. Isto é verdadeiro em relação a alguns (muitos) camaradas jornalistas, sobretudo aqueles que integram as «chefias» e as «direcções» dos jornais. Trata-se de uma situação que principia por ser contrária à Lei. O actual Decreto-Lei 513/79 considera como jornalistas todos os indivíduos que possuam carteira profissional. Os repórteres fotográficos possuem-na.Abordando vários casos pessoais, que não são certamente inéditos, posso afirmar que o trabalho profissional do fotógrafo não se desenvolve em condições tais que possa ver garantida a letra e o espírito do citado Decreto-Lei. Na Redacção, todos mandam no repórter fotográfico: «Vem daí comigo...», diz o jornalista, «Vá acolá com fulano...», diz o chefe. Na volta, o nosso trabalho é escolhido, muitas das vezes, sem atender à sensibilidade artística e jornalística que presidiu à sua produção: é raro que alguém nos pergunte o que quer que seja sobre a melhor forma de inserir os «bonecos» no jornal. Eles é que sabem o que vão publicar... e manejam a tesoura sem qualquer rebuço. Mandam de tesoura em punho e isso é já de si triste.

Mas podemos dar-nos por felizes quando o autoritarismo não impede a publicação do nosso trabalho. Sim, porque regularmente obrigam-nos a realizar serviços que nunca são aproveitados; uns porque interessa censurá-los, outros porque foram programados indisciplinadamente. Somos conhecidos pelos «Palhaços»... Por vezes escrevemos umas indicacões nas costas da fotografia, o que deveria facilitar a sua inserção ou a redaccão de qualquer legenda. É trabalho desnecessário: uma foto serve a tudo, mesmo a deturpar a realidade fixada. E, depois, há a obsessão de que a foto só serve como complemento da prosa. Nada de mais falso: muitas vezes, uma boa foto diz tudo... e a linguagem escrita funciona, então, de forma pleonástica ou mesmo deformante. Esta situação decorre do facto de a arte de fotografar a notícia ser considerada, dentro dos jornais, como subsidiária. Como o «bate chapas» é analfabeto, pronto... não tem opinião. Isto é o que, pela rama, se pode dizer das discriminacões do dia-a-dia. Mas noutros campos, a situação repete-se de forma a envergonhar-nos.

Temos, por exemplo, as «saídas»: as viagens dentro do País são atribuídas aos repórteres fotográficos com prudência, e, para ir ao estrangeiro, é realmente necessário que aconteça um cataclismo. O pior é que as justificações de índole financeira não são mais do que desculpas de mau pagador: «Você não vai porque não há dinheiro para dois...». Isto é fazer de nós parvos, porque todos sabemos que a maioria das deslocações dos jornais portugueses decorrem de convites de índole publicitária ou propagandística. O jornal envia um redactor. Este chega ao país em questão, recolhe uma série de documentos já redigidos (muitos em forma de notícia) e envia o material para a Redacção com maior ou menor quantidade de trabalho pessoal. Ora, missões deste tipo poderiam muito bem ser levadas a cabo pelos repórteres fotográficos, que também têm necessidade de correr mundo, de trocar ideias, de aperfeiçoar conhecimentos através de contactos e até de se prestigiarem. Somos realmente uns analfabetos... Servimos apenas para os desastres, para os «casos do dia»; para levantar da cama a qualquer hora porque, como se sabe, as Redacções têm, por regra, poucos fotógrafos. Há ainda a questão dos trabalhos serem ou não assinados. Na maioria dos casos não o são para os jornais do Porto. Em Lisboa é diferente! Mas, o que me parece sintomático da nossa situação de total dependência, é que quando aparece o nosso nome num boneco quase sempre falta, normalmente, o consentimento prévio. O redactor ou chefe resolvem, por isto ou por aquilo, que devem assinar o boneco e aí está o nosso nome. O isto ou aquilo pode ser apenas o reconhecimento episódico da valia do trabalho ou ainda uma forma de nos passar a mão pelo pêlo. Por vezes acontece que uma reportagem vem assinada pelo redactor e, apesar de ilustrada (mesmo profusamente), não traz o nome do «bate chapas»... É triste. É intolerável. É o medo de não sei quê, que se prende, talvez, com uma ideia de elitismo pouco real actualmente, pois a profissão de jornalista está em vias de proletarização de qualquer ponto de vista que seja encarada. É claro que estas prepotências são usadas, muitas vezes, para irritar, espicaçar, gozar. São meios suplementares de pressão, utilizados sobretudo em relação aos que despontam para a difícil arte de fixar o acontecimento pela imagem: «se te portas bem promovemos-te...». As informações que detenho, permitem-me afirmar que este estado de coisas é específico da profissão apenas em Portugal. Em qualquer outra parte do mundo, nomeadamente da Europa dita avançada, a fotografia é considerada como escrita muda. Uma boa fotografia dispensa, por isso, o texto e por vezes a legenda.

Nós, repórteres fotográficos, queremos ser considerados como gente dentro das Redacções. Queremos que as gerações vindouras possam ter acesso a escolas de Jornalismo onde exista a especialidade e se promova a dignificação da «arte de fotografar a notícia». Queremos, também, que no interior dos jornais sejamos considerados jornalistas ao mesmo título que aqueles que escrevem. Queremos que deixe de existir o dilema aparente que serve para justificar a actual discriminação: a foto não é só forma, como o texto não é só conteúdo, ambas as formas de expressão têm conteúdos e todos os conteúdos têm direito a escolher a forma da sua expressão. As nossas reivindicações, estamos convictos, dependem, para a sua boa concretização, da reflexão que, vocês camaradas, profissionais do texto, sejam capazes de levar a cabo; em conjunto poderemos desmistificar as pretensas justificações de uma desigualdade.

* Comunicação apresentada no 1ª Congresso dos Jornalistas Portugueses, que se realizou em Lisboa, de 19 a 22 de Janeiro de 1982

FOTORADIOGRAFIAS V