Fotoradiografias X

Câmera digital é o fim da foto-documento

Instituto Gutenberg*

Algumas publicações, entre elas a Folha de S. Paulo e o Globo, estão usando câmeras digitais - uma tecnologia que dispensa o filme, a revelação e a cópia em papel ou eslaide. As imagens são captadas e armazenadas num chip, no interior da câmera, e minutos depois podem ser vistas e editadas numa tela de computador. Eis o problema: como não há negativo, o original pode ser alterado, e se houver dúvida quanto à fidelidade da foto, não haverá matriz - o negativo - para comparação.

Uma pessoa pode mudar de cor ( o caso de O.J. Simpson com a revista Time) e objetos, como um revólver, podem desaparecer da cena da foto sem deixar vestígio. Um jogador pode ser implantado no lance do gol. Atualmente, cortes e retoques como esses são praticados no método tradicional, mas nas cópias do negativo, que permanece, inalterável, como documento original da cena.

A Folha usa a máquina NC 2000, montada na base de uma Nikon. É particularmente útil para fotos de acontecimentos próximos ao fechamento do jornal, como jogos de futebol. A foto é transmitida do estádio para o computador da redação e em minutos está na página para ser impressa. É óbvio que o jornalismo não pode renunciar a uma jóia tecnológica desse porte, mas seu uso impõe cuidados éticos mínimos, como o de guardar a cena original num banco de dados sob a rubrica de "somente para leitura". Uma das glórias dos fotógrafos que sobreviveu até a câmera digital foi a de poder dizer que foto ninguém desmente - ao contrário de declarações anotadas ou mesmo gravadas pelos repórteres. Com o advento de máquinas que podem trocar o Sol pela Lua, fotografia deixou de ser documento e os leitores, se já duvidavam do que liam, podem agora também duvidar do que vêem.

Quando foram introduzidas nos Estados Unidos, há alguns anos, as câmeras digitais geraram um debate ético que terminou por limitar seu uso no jornalismo. Combinadas com equipamentos de retoques gráficos, como o computador Scitex, e manipuladas em software como o Adobe PhotoShop, as fotos digitais serviram para que os editores, depois de revirar os textos, também copidescassem imagens.

O Orange County Register, por exemplo, jornal da Califórnia que recebeu o Prêmio Pulitzer por sua cobertura das Olimpíadas de 1984, imprimiu em todas as fotos um céu azul claro e despoluído. A capa do livro Um dia na vida da América, que produziu milhares de fotografias, montada em outro truque digital: um cowboy foi colocado num morro tendo ao fundo uma lua ampliada. E até mesmo a irrepreensível National Geographic não resistiu à tentação de mudar de lugar nada menos que uma das grandes pirâmides de Gizé, apenas para que o inamovível monumento se enquadrasse no formato da capa da revista.

*Instituto Gutenberg

FOTORADIOGRAFIAS XI