Os padres... não me venha falar n'essa corja |
Capítulo IX Página 4
-- Os diálogos d' O Amigo do Povo' surgiam com títulos diversos. Engraçado que encontrei alguns com o mesmo título dos do 'Commercio da Louzã'. Vou ler-vos mais um daquele periódico, para poderem depois comparar melhor com o outro que seleccionei, aqui já do nosso 'Commercio'. 'Á LAREIRA... -- Manuel, ó Manuel... estás ahi? -- Entre, tio Antonio, não faça cerimonias... está em sua casa. -- Ora, Deus esteja aqui e mais a santa graça. -- Amen, tio Antonio, Amen... venha com Deus. -- Então, gostaste do mez do Rosario e das Almas? -- Gostei muito, tio Antonio, gostei, sim Senhor, e lá fui estes dias á santa Mesa da Communhão e mais a minha Zabel, para ganharmos as indulgencias que o sr. Abbade tinha annunciado... Nós lá vimos tambem o tio Antonio. -- Sim, não era difficil verem-me, que os homens eram bem poucos... é uma dôr d'alma, haver tantos homens na freguezia e apparecerem tão poucos na egreja! -- É verdade, é verdade, tio António, e porque será isso? -- Olha, Manuel, eu te digo, é a fructa do tempo... crearam-se estas gerações más, não sei por culpa de quem, e agora é o que se vê... ficam na cama que é o logar mais quente, mas deixa estar que Deus lá os espera, e as contas a tomar serão rigorosissimas! -- Assim será, assim será... -- Não digas assim será, diz assim é, pois fica sabendo, Manuel, que passará o céo e a terra, mas não passarão as palavras de Jesus Christo, como dizia o Evangelho do passado Domingo... e tu sabes que, lá n'outro evangelho, diz Nosso Senhor que toda a arvore que não der bom fructo, seja cortada e lançada ao fogo; portanto esses maus paes, que assim educam os filhos, ficando na cama (ou ao Domingo na venda) em vez de irem á egreja, hão-de ser castigados por esta sua indifferença religiosa. -- Indifferença religiosa!?... que vem a ser isso, tio Antonio? -- Eu te explico: olha, ha por ahi muito sujeitinho que, lá porque não mata nem rouba ( elles dizem que não roubam, mas as coisas, ás vezes, faltam) e porque vão á missa ao Domingo e se confessam uma vez no anno, julgam esses taes, que já são muito catholicos... no entanto, isto é fazer só parte d'aquillo a que se é obrigado, pois ha muito mais a fazer por obrigação e devoção, se quizermos ser arvore que dá bom fructo!... -- Diz muito bem, tio António, diz muito bem... -- Não que é assim mesmo, Manuel; tu bem tens ouvido o que o sr. Abbade diz lá na egreja:- havemos de dar contas a Deus, não só do mal que fizermos, mas até do bem que deixarmos de fazer... ora, portanto esses que assim procedem, deixam de praticar um bem que podiam fazer e não querem, porque são uns indifferentes, tanto lhes dá que o negocio da salvação da alma vá bem como que vá mal! -- São chatolicos falsos, como Judas, tio Antonio... -- Dizes bem, Manuel, dizes bem, são maus chatolicos... Deus os illumine com a sua divina graça, e a todos nós... Adeus, até amanhã'. (nota 34) -- De quando é que é este? -- De 1916, dez de Dezembro se quiseres saber o dia certo. -- Quer dizer que já naquele tempo os padres se queixavam da falta de clientes... e eu a pensar que erá só coisa de agora! -- Agora quem rareia são os padres, há por aí aldeias sem nenhum, pois até já deixam as mulheres rezar a missa, só que sem consagrar a hóstia. Eu se estivesse no lugar delas não aceitava. Agora que têm necessidade é que se lembram delas? Antes não as queriam... -- Meninos, posso passar ao contraste? -- O tal do 'Commercio da Louzã', é, professor? -- Exactamente, Pimpão. A 9 de Junho de 1910 tratou-se de separar as águas entre a igreja e o Estado, falou-se de côngruas obrigatórias e outras menos, e dos bons exemplos que, para não fugir a outra regra do bom povo português, hão-de vir lá de fora, da estranja... -- Nem sempre, que naquele texto do governador do distrito dizia-se mal dos camones e bem de nós... -- Também que querias tu numa conversa sobre nacionalismo, meu rapaz? Posso avançar? -- Dete, senta-te aqui a ouvir o professor, que só te faz bem um pouco de cultura, rapariga, que é para quando tiveres que mostrar o teu curriculum a um pretendente poderes lá pôr que frequentaste a universidade de Verão do professor Vergílio. Viva o professor Vergílio, que ensina o povo e não cobra propinas! |