Os padres... não me venha falar n'essa corja |
Capítulo IX Página 5
-- Vamos ao que interessa: 'Fiquei da ultima vez em explicar-vos, principiou o sr. Antonio, o que vinha a ser a separação da egreja do estado. Lá vamos a isso. Farei por me expressar de maneira que me faça compreender porque o assumpto é de si melindroso e emmaranhado. Em mutos paises, como o nosso, a Espanha, a Inglaterra, e outros, o Estado segue uma religião, que é considerada a religião official do estado, a que o mesmo estado está ligado e é obrigado a defender e seguir. Em Portugal e Espanha segue-se a religião Catolica Apostolica Romana. Na Inglaterra é a religião Protestante e noutros ainda outras formas de religião. Nos estados em que ha religião official, os parochos, os bispos, os arcebispos, são nomeados pelo governo, e o povo é obrigado a pagar-lhe as congruas, os serviços por elles prestados e a respeitar os cultos dessa religião. O exercito é tambem obrigado a prestar honras ao clero superior. O clero por sua vez é obrigado a fazer os assentos de baptismo, casamentos e obitos, a prestar outros serviços ao estado, e embora receba ordens do papa, não pode cumpri-las sem que primeiramente seja auctorisado pelo governo do seu paiz. Noutros estados, porem, como por exemplo na França e no Brasil o estado não tem religião official; isto é, está separado da egreja. Cada um segue a religião que muito bem quer. Os parochos e os prelados são sustentados por quem tem devoção para isso, mas sem ser obrigado como entre nós. -- Então nessas partes não ha congruas? preguntou o João do Outeiro. -- Não ha. -- Pelo que eu percebo, disse o Domingos Moleiro, quem tem devoção com a egreja, paga um tanto para a ajuda de sustentar o padre, quem não tem, não paga? -- Exactamente. -- Isso assim não é mau, respondeu o João Russo. Mas se em Portugal a gente não quisesse pagar a congrua era obrigado a isso, pois não era? -- Decerto, porque a egreja está unida ao estado. -- Mas no Brazil ha muito padre? continuou o João Russo. -- Ha. E, até mesmo em proporção, talvez mais que em Portugal. -- E vivem bem? -- Melhor que aqui. Tanto que até alguns padres portuguezes vão para o Brazil. Não teem congrua obrigatoria, mas em certa parte reunem-se uns tantos catolicos, e quotejam-se entre si para dar uma certa quantia ao padre do seu agrado para elle poder viver decentemente e desafogadamente. Se o padre é bom sujeito, se se porta bem, está. Se pelo contrario não procede bem, os que lhe pagam deixam de lhe pagar e chamam outro com quem sympatisem. Por este modo o padre é obrigado a cumprir com todos os seus deveres. Não é como aqui, que se numa freguezia estiver um parocho com quem o povo embirre, que trate mal o povo, os freguezes tem de aguental-o e pagar-lhe ainda em cima. Nos paizes em que a egreja está separada do estado, esse estado nada tem com os actos da egreja, e os padres tambem não são obrigados a fazer registos, ou assentos dos baptisados, cazamentos, ou mortes, porque esses registos são feitos pelo poder civil. Ali o registo civil é obrigatorio. Quem tem devoção de ir á egreja vae, mas primeiro ha de fazer o registo civil, quem não tem não vai. Por estas coisas já os meus amigos podem comprehender que ha muitas vantagens, tanto para o estado como propriamente para o clero, em a egreja estar separada do estado. -- Mas então, perguntou o sr. João da Rosa, porque é que muitos padres não querem essa separação? -- Simplesmente por questão politica que fazem dessa separação. Estando a egreja unida ao Estado mais facilmente elles conseguem e realisam os seus fins de ambição, porque em geral teem debaixo de mão os politicos, os governos e principaes funccionarios publicos e até o proprio chefe da nação como actualmente está succedendo em Portugal. Elles pretendem isto ou aquillo, e embora não sejam coisas de religião, elles levam-nas para esse lado, e como é obrigação do paiz defender a religião que segue officialmente, teem de os atender e mesmo tambem para não levantar conflitos com a Santa Sé. Se a egreja estiver separada, já o caso muda muito de figura. Mas isto, como logo lhes disse de principio, são coisas complicadas, e não para explicar assim duma vez só e para se compreender todo o alcance logo á primeira, por isso nas nossas reuniões seguintes, sempre que venha a proposito lhe erei explicando melhor'. (nota 35) |