Os padres... não me venha falar n'essa corja

Capítulo IX          Página 3

Cá temos um diálogo servindo intuitos bastante diversos dos outros que já conhecem. E este que vos vou ler a seguir, apesar de tratar tema bastante diverso, assemelha-se nos objectivos a alguns de que vos dei conta anteriormente. Se o 'Commercio' pretendia esclarecer os leitores sobre a Inquisição, os montepios, dar a conhecer quem foi Alexandre Herculano, este aqui trata de explicar o mecanismo da fermentação do mosto, tentando com esse esclarecimento evitar imprevidências que até acabavam em mortes. Vem no mesmo 'O Amigo do Povo':

'Á SOMBRA DO CASTANHEIRO -- Ora viva o tio Ambrósio, que hoje está muito satisfeito...

-- Pois estou, estou. Tenho o meu milho quasi todo recolhido, vendi os meus cachos, e menos mal, de forma que por estes dois lados estou descansado, graças a Deus.

-- É mais feliz do que eu, que este anno não sei aonde hei-de metter o vinho novo, visto ainda não vender o velho. Mas deixemo-nos de lamentações e vamos ao que importa.

-- Vamos lá que eu hoje não me posso demorar. Está com atenção, que eu digo-te duas coisas que são importantes, para depois nos irmos embora.

-- Vamos a isso, vamos a isso.

-- O môsto, em virtude da acção da levadura de cerveja, desdobra-se em alcool e gaz carbónico. Ora é importante saber algumas das propriedades deste gaz para evitarmos as desgraças que os jornaes costumam noticiar nestas ocasiões.

-- Neste tempo das vindimas, é verdade, que ha sempre mortes.

-- E olha que podiam bem evitar-se; como vaes ver. O gaz carbonico é mais pesado do que o ar e é também impróprio para a vida. Uma pessoa posta num logar, onde só houvesse este gaz, morreria asfixiada. Ora muitas vezes acontece ficar um balseiro ou uma dorna mal cheios e o gaz carbonico enche aquele espaço que fica acima dos engaços; os homens descem ao balseiro ou á dorna para mecher o vinho, metem-se no gaz carbonico e perdem imediatamente os sentidos.

-- Percebo muito bem, e, para lhe falar com franqueza, não sabia que era esse o motivo de tantas mortes. Daqui para o futuro hei-de ter mais cautella.

-- Sim, é preciso haver muita cautella. Desde o momento que uma vasilha não está bem cheia de vinho novo ou de cachos pisados, nunca se deve ir para dentro della. Meche-se o vinho cá de fora com um pau. Ainda há dias li que um homem cahiu a um balseiro; um companheiro foi para o tirar e cahiu também, e a um terceiro aconteceu o mesmo.

-- Veja que desgraça...

-- Pois, meu amigo, para o futuro tem cuidado, que, por mais que haja, é sempre pouco. Enquanto o vinho está a ferver é preciso tratá-lo com respeito. E agora, adeus, que são horas.

-- Adeus, tio Ambrósio. Nosso Senhor o ajude'. (nota 33)

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