E tudo isso causado pelos frades!

Capítulo VII            Página 4

E reparem no final:

'-- Ora vejam! exclamou o Manuel do Fundo. E o rei quando viajava gastava um rôr de contos! Já ha muito tempo que se devia ter cá a Republica e ter posto de lado essa cafila toda de comedores do suor do Povo.

-- Meus amigos, temos muito que fallar ainda sobre a Republica, mas hoje não posso dizer-lhes mais porque tenho muito que fazer. Estamos agora num periodo em que todos temos de trabalhar muito, cada um conforme as suas forças, para consolidação do novo regimen'. (nota 30)

Agora permitam-me que fuja mais uma vez do nosso 'Commercio', para vos ler um outro diálogo, que retirei de um livro escrito muitos anos depois, por um senhor que foi Governador Civil de Coimbra e se chamava Horácio de Moura. O Governador não se reportava ao mesmo período que os 'serões'; escreveu os seus diálogos na vigência do Estado Novo, da ditadura de Oliveira Salazar (nota 31).

Neste diálogo ele trata de assuntos muito diversificados, mas chamo-vos a atenção para dois pormenores. Primeiro, o tal carácter de doutrinação, a transmissão de uma ideologia, das ideias-base que serviram de sustentáculo à longa noite salazarista. Horácio de Moura fez o mesmo no seu livro que Paulino nos 'serões', só que servindo ideais bastante diferentes. O segundo pormenor tem a ver com a leitura que o dito senhor fazia da República. Também ele se socorreu da história, da sua leitura da história, para fazer contrastar as 'excelências' do regime salazarista com o mar de desgraças em que os republicanos, no seu entender, iam afogando a Nação. Os republicanos punham as culpas na monarquia, os salazaristas as culpas nos republicanos...

-- E quando chegou o 25 de Abril os democratas puseram as culpas nos salazaristas. É viró disco e acusa o detrás...

-- Quem é democrata, quem ama a Liberdade, tem que censurar com vigor o regime que vigorou nesses longos quarenta e oito anos. Aqui na mesa todos somos democratas, estamos à vontade sobre este assunto, mesmo pertencendo nós a partidos diferentes. Mas numa perspectiva mais histórica, ou sociológica, sei lá que eu não sou especialista nem de uma nem de outra, é curiosa esta tendência para a desculpabilização. A culpa é 'deles', pertence aos outros, e nunca a nós. Não sei se nos está na massa do sangue, mas parece regra bem assente no nosso povo. Ora, deixemo-nos de filosofias e passemos à leitura do tal texto que vinha publicado num livro intitulado 'Diálogos com o Povo'. Aqui a conversa é só entre duas pessoas, um professor e um assistente, que faz as vezes de povo. Mas pensando melhor, deixemos isto para amanhã, que este aqui é bem grandinho. Passem bem, meus senhores.

FIM DO CAPÍTULO 7

CAPÍTULO VIII