E tudo isso causado pelos frades! |
Capítulo VII Página 3
-- Ai que já descobri onde a professora Natércia foi aprender a lição das árvores que nos deu na terceira classe. Foi há tantos anos, mas ainda me lembra como se fosse agorinha. Foi ao jornal ler, que o que ela nos ensinou era a mesma coisa! -- Não vejo qualquer mal em ter lido no 'Commercio da Louzã', ou noutro sítio qualquer. O importante é que ela vos tenha dado também esses ensinamentos. E mais importante ainda é que não os tivesses esquecido, já vi que não, e que os cumpras no dia a dia, aí é que talvez as coisas se compliquem. Interesse em educar os mais velhos, decerto, mas não se esquecendo dos jovens. Um desses diálogos deixa mesmo uma mensagem subliminar, a ideia de que os mais velhos deveriam preocupar-se em esclarecer os seus filhos, sobrinhos ou netos. Foi quando o Manuel Caseiro se fez acompanhar de um sobrinho. A atitude do Caseiro foi elogiada, com Tiotoneo Maneta a lamentar-se de não ter começado a aprender mais cedo, também: '-- Ó sr. Antoninho, começou o Manuel Caseiro, eu hoje trouxe commigo este meu sobrinho. Elle é ainda novo, mas assim como assim, destas idades é que a gente deve começar a aprender aquillo que nos convém. -- Isso é certo, respondeu o Tiotoneo Maneta. Se eu mais cedo começasse a saber aquillo que tenho ouvido aqui ao sr. Antoninho, outro galo me cantara. -- Eu, continuou o Manuel Caseiro, tenho explicado lá á minha gente, conforme sei e posso o que tenho ouvido. Mas uma coisa é aquillo que a gente diz e outra é ouvi lo aqui ao sr. Antoninho. Por isso eu disse hoje ao meu sobrinho: 'Ó aquelle, vem de aí commigo, que tens tuda a ganhar e nada a perder', e só fiz bem. -- Fez muito bem, disse o sr. Antonio, e pensa muito bem. Cedo é que nós devemos entrar no conhecimento dos nossos deveres e dos nossos direitos, para cedo tambem podermos entrar no caminho direito da vida'. (nota 29) -- Há bocado o professor falou aí em ideologia... -- Já perceberam que estes diálogos serviam para incutir determinadas ideias nas pessoas, os 'serões' do 'Commercio' denunciam um propósito nítido de inculcar nos leitores, de forma simples, o ideário republicano. As linhas força do argumentário contra o regime vigente, a monarquia, estavam todas na boca do sr. António. Ele era as vergastadas no rei e seu séquito, acusado de gastar à tripa forra e mais uma série de pecadilhos; atacava-se o governo, composto por gente que só se servia do penacho; atacavam-se os jesuítas e a igreja em geral, e todos sabemos como os republicanos eram ferozmente anti-clericais. Defendiam-se os direitos do povo, utilizado pelos tais 'galopins', os caciques da altura, que mercadejavam o voto por um naco de bacalhau e uma almotolia de azeite. Fazia-se uma releitura da história, dessacralizando alguns dos ícones do ideário monárquico, isto enquanto se louvava o papel de figuras insignes para os republicanos, mas malquistas para o poder de então. O caso de Alexandre Herculano, por exemplo; ou o primeiro 'serão' publicado após a implantação da República, que não deixa dúvidas a ninguém quanto à adesão do autor do texto à causa republicana: '-- Parabens, sr. Antoninho, começou o João Russo, damos-lhe muitos parabens! -- Parabens porquê? -- Por, felizmente, termos implantada a Republica. -- Meus amigos os parabens não são para mim; os parabens são para nós todos os portuguezes, que nos vemos agora em perfeita liberdade e com um governo que vae administrar bem aquillo que é nosso; um governo que vai desenvolver a nossa riqueza publica, que vai fazer grandes coisas nas economias, que vai fazer com que todos sejam eguaes e egualmente respeitados. -- Agora, disse o João do Outeiro, já a gente está a poupar bastante naquillo que pagava á familia real, que segundo o sr. Antoninho dizia, eram quinhentos contos em cada anno. -- Quinhentos contos fóra as alcavalas, tais como obras nos Paços reaes, viajatas, etc. etc. -- Talvez só o rei ganhasse num mês mais que o Presidente da Republica venha a ganhar num anno, disse o Manuel do Fundo. -- É provavel. Querem vocemecês saber quanto a monarquia nos comeu durante quatorze annos em obras nos palacios, nas adegas, em jardins, cavallariças, etc? Nada menos de dois mil oitocentos e tantos contos de reis'. Recorte respigado do Jornal 'Alma Nova' nº 403, de 10 de Novembro de 1934. |