O pretenso perigo passou |
Capítulo VI Página 2
A glória pela cacha vinha a 21 de Maio e não a 18, enganei-me: 'O COMETA -- A passagem da terra pela cauda do cometa não produziu, felizmente, nenhuma alteração no estado do globo. Nem sequer se viu na noite de 18 para 19 signal algum do tão falado astro, que durante muito tempo, por inconvenientes revelações feitas na imprensa, encheu de pavor milhões de pessoas de todo o mundo. Em Portugal é sabido o que succedeu. Não foram poucos os casos de terror, de gente que se confessou e preparou para entrar na vida eterna atirada para ali pela cauda do cometa. Muitos não quizeram trabalhar e outros foram atacados de cheliques com receio da aproximação da terra da cauda do comêta. Muitas pessoas viram o facto por prisma muito diverso e esperaram com toda a coragem e até com enthusiasmo o supposto perigo. Foi o Noticias de Coimbra que primeiro deu a informação tranquilisadora da passagem da terra pela cauda do cometa na noite de 17 para 18 e não de 18 para 19. A referida noticia vem confirmada nos jornaes de Lisboa e Porto do dia 19, emquanto que nós a demos no dia anterior. Suppunham muitas pessoas que a informação não tinha fundamento e que fôra dada apenas com o fim de tranquilisar o publico. Mas não é assim. O auctorisadissimo sabio francez e distincto astronomo abbade de Moreux, director do observatorio de Burgos, pelas suas recentes observações, poude chegar áquella conclusão. A terra passou acima do cometa nada menos de 1:200:000 kilometros. Assim o affirma o abbade Moreux. Desde que a cauda dum cometa attinge um comprimento respeitavel, a força repulsiva emanada do sol e combinada com a attracção, encurva o caminho que parecem seguir as particulas emanadas do nucleo. A medida que a velocidade do nucleo augmenta ao ir para o sol, a cauda recurva-se atraz; mas, inversamente, desde que o nucleo, tendo passado junto do sol, diminue de velocidade, a curva da cauda projecta-se para a frente do astro cabelludo. O cometa de Halley não podia fugir a esta lei geral. Em Coimbra houve danças, descantes, ceias, etc, etc., para os que quizerem levar estas coisas a rir. Felizmente está passando o suposto perigo. Felicitemo-nos uns aos outros, que o caso não é para menos. Nota curiosa: O abbade Moreux, director do observatorio de Burgos, diz que a terra passou pela cauda do cometa na noite de 17 para 18. Dizem de Paris que o astronomo Schwarzschild, observou que a terra passou exactamente atravez da cauda do cometa ás 4 horas da manhã do dia 19. O observatorio dos Estados Unidos declara em data de 19 que a terra ainda não atravessou a cauda do cometa, mas estar para muito breve, talvez no dia 21. Vão lá entendê-los!' (nota 24) No dia 21, o jornal incluía ainda o 'Final dum artigo sobre os cometas de Johannesburg e de Halley', com a assinatura de Alberto Leuschner. Vou poupar-vos às especulações científicas aqui expendidas, e ler-vos apenas a parte final. Se algum dia vier a escrever um livro sobre estas nossas conversas, então pode ser que publique o recorte: 'Disseram que o cometa vinha atrazado. Se isso fôr verdade não o poderão os astronomos vêr passar pelo disco do sol, do que francamente tenho muita pena, porque a sciencia perde uma bella occasião de poder verificar a parallaze solar e assim a distancia do sol á terra. Por outro lado os medrosos pódem estar contentes porque o caso tetrico por elles receiado já não se póde dar, visto a terra já ter passado ha muito pelo ponto onde imaginam poder haver perigo. Antes assim!' (nota 25) |