O pretenso perigo passou |
Capítulo VI Primeira Página
-- Demoraste, João. Está toda a gente ansiosa por saber novas do cometa, mas eu não quis começar sem estarmos todos. -- Deve-se ter perdido pelo caminho com alguma cometa, só pode ser. Dete, traz o habitual aqui para o João da Neta. Hoje paga ele as chipes, que é para a próxima dar mais corda aos chispes, ah!, ah! -- Estás com graças novas, desde que resolveste aprender inglês, Duartinho. Eu cá continuo a chamar-lhe batatas, não gosto cá dessas modernices. A nossa língua ainda é a coisa mais bonita que há. -- É, é, tu já lá não vais mais eu, que burros velhos não aprendem línguas, por isso é que se não fosse o teu filho não percebias o que a outra queria que a filha fizesse na praia da Figueira... -- A do rien Michele, rien Michele?! E a pequenita que não sabia nadar, coitadita... -- Passamos ao cometa, ou vamos para uma sessão de anedotas, meninos!! -- Juro-lhe que esta não é anedota, professor, tão certo como eu ter sido guarda fiscal em Vilar Joly... -- Estou a perceber. Ora bem, a 14 de Maio, o 'Notícias de Coimbra' dava conta de umas medições feitas por um 'calculista' distinto, o sr. Mello e Simas: 'O distincto astronomo sr. Mello e Simas, informou ante-hontem, em sessão, a Academia de Sciencias de Portugal, ter verificado na segunda feira ultima que a cauda do comêta de Halley se apresentava já com uma extensão de 20 milhões de kilometros, tendo 9 milhões na parte mais luminosa'. (nota 22) -- Catorze de Maio, o bicho estava quase a aparecer, era para dezoito, não era? -- Era, dizes bem, que o Halley parece ter fintado toda a gente. Tanto susto para nada, que o cometa passou no dia anterior, e ninguém deu por ele. O tal jornal de Coimbra é que deitou foguetes, pois a acreditar no que lá vem escrito, eles deram a nova primeiro que os periódicos de Lisboa. Grande façanha, Coimbra passar as pernas a Lisboa... 'O COMETA -- O Pretenso perigo passou... -- Segundo as ultimas noticias publicadas no MATIN hoje chegado a Coimbra, o eminente director do Observatorio de Bourges (França), affirma que a passagem da terra pela cauda do cometa se dava não na noite de 18 para 19, mas sim na noite de 17 para 18, isto é, á hora em que publicamos esta noticia, já estamos livres da famosa cauda que tanto apavorava a medrosa humanidade, que quer subordinar os seus designios ás leis admiraveis da astronomia. A apparente discordancia entre a hora da passagem previamente fixada e a de agora é esta: A cauda do cometa, á medida que se aproxima do sol, em vez de se conservar rectilinea, incurva-se em sentido opposto ao da sua marcha, isto é, no sentido do movimento da terra. Dahi resulta que se a terra tiver de atravessar a cauda, este phonomeno produziu-se antes do dia e hora fixados para a passagem da terra e no prolongamento dos raios communs do sol e do cometa, facto este que ha de produzir-se esta madrugada, pelas 2 horas, mas que não trará nenhuma consequência visto já termos atravessado a mysteriosa cauda'. (nota 23) |