O vagabundo do espaço |
Capítulo V Página 5
-- O professor estava a falar há bocado, e eu a lembrar-me do caso Parmalat. Tanto alarido e afinal a empresa não tinha culpa nenhuma! -- Bem reparado, João. Podemos dizer que o medo vende notícias, é verdade. Mas também não podemos deitar as culpas todas para cima dos jornalistas ou dos seus patrões. Porque se eles trilham esse caminho é porque as pessoas sentem alguma atracção por tal tipo de notícias. As audiências é que mandam. À falta de emoções no quotidiano tomem lá uma dose de medo servida em letras ou imagens televisivas, para puxar a adrenalina. Hoje como ontem, afinal... -- O professor não acaba de ler o jornal? -- Desculpa, ó Pimpão. Já vi que estás a gostar mais do folhetim do cometa do que da análise dos efeitos da imprensa. Faça-se a vontade a mestre Pimpão, e com grato prazer: 'Ultimamente téem sido publicados artigos nos jornaes, de pessoas auctorisadas no assumpto, nos quaes se demonstra que o cometa Halley não pode, ainda mesmo na peor das hyphoteses, causar á terra consequencias perigosas. É um phenomeno natural...' -- C'um raio, não tinha já lido essa parte? -- Tens razão. É aqui mais à frente: '... porém, preciso insistir neste assumpto; tranquilisar os espiritos timidos que se preocupam com a approximação do cometa Halley, fazendo-os crer na verdadeira importancia desse phenomeno tal qual elle é e não como alguns querem que elle seja, e que pintaram o quadro com as mais tristes côres. Julgamos conveniente que nas terras onde isso possa ser, se façam conferencias ácerca do phenomeno de que se tracta e se publiquem artigos. Tem isto a dupla vantagem não só de tranquilisar os espiritos e deixa-los bem preparados para quando se der a apparição do cometa, mas de esclarecer o publico, dar-lhe, ao menos, uma ideia geral do que são esses astros, a sua importancia e os seus effeitos. Diz-se que o sr. dr. Costa Lobo vae brevemente fazer uma conferencia sobre este assumpto na sala dos capêllos. Oxalá que assim seja e que outros lhe sigam o exemplo'. -- Esta parte já não teve muita graça! -- Queres então coisas com graça? Olha esta que fala de Paris: 'O aparecimento do cometa de Halley representa para a sciencia astronomica uma grande victoria alcançada por Halley, que, em 1862, apoiando-se nos trabalhos de Newton, predisse scientificamente que o cometa voltaria 75 annos depois, em 1758, e que apareceria sempre de 75 em 75 annos, o que realmente tem acontecido. Os jornaes scientificos continuam a asseverar que nada de grave poderá suceder á terra se esta atravessar a cauda do cometa. Assim aconteceu em 27 de Novembro de 1872, em que a terra atravessou a orbita do cometa de Biela, que nunca mais appareceu depois da sua passagem. O contacto da terra com o cometa o que póde é dar logar a uma chuva de estrellas cadentes, como aconteceu em 1872. Não é só em Portugal que o povo anda assustado com a aproximação do cometa Halley; até em Paris ha milhares de pessoas que mantéem velhas superstições, affirmando que as recentes cheias que ali houve foram já resultado do cometa Halley'. (nota 19) Este texto tirei-o do mesmo 'Notícias de Coimbra', datado de 30 de Abril, faltavam pouco mais de 15 dias para a tão temida passagem. Enquanto por Paris o cometa metia água, por cá falava-se de pessoas que já não comiam nem dormiam há uns dias. Talvez fosse exagero, não sei, mas vem no 'Notícias' de 4 de Maio: 'A Academia de Sciencias de Portugal, em data de 1 do corrente, affirma ao publico que de 16 a 21 deste mez ninguem verá coisa alguma que se relacione com o cometa, a não ser alguma estrella cadente, dum para outro lado do espaço. As ultimas observações levam os socios da Academia, que fazem o aviso, a crer que a terra nem chegará a ser attingida pela cauda do cometa. Se o fosse, nenhum mal causaria, pois assim aconteceu em 1872, em que a terra chocou com o proprio nucleo. Em 1861 tocou a terra a cauda dum cometa e ninguem deu por esse phenomeno. Muito obrigadinho por estas informações, que bem precisas são para muita gente que ja não come nem dorme ha uns poucos de dias'. (nota 20) Os astros também dialogavam... Recorte respigado do Jornal 'Alma Nova' nº 391, de 18 de Agosto de 1934 |