O vagabundo do espaço |
Capítulo V Página 3
A 18 de Março, e aqui já fora do espaço dos 'serões', a direcção do 'Commercio da Louzã' decidiu chamar o cometa a destaque na primeira página (nota 16). Confessando falta de preparação para tratar do assunto com conhecimento de causa, reproduzia-se artigo de reputado astrónomo brasileiro: ' O COMETA -- Quasi todos os nossos leitores sabem que não possuimos conhecimentos scientificos para os podermos esclarecer dos effeitos que perante a humanidade poderá produzir o já célebre Cometa de Halley, mas na melhor das intenções de bem os informar sobre o que elle poderá ser, damos a palavra ao auctorisado astronomo Camillo Flamarion, que no Jornal do Brazil assim se exprime' -- deste modo se servia a entrada do texto de um especialista afortunado, porque já assistira à chegada do cometa, quando o comum dos mortais ainda exasperava por que chegasse, ou que nunca tivesse pensado em aparecer por estas bandas: 'O cometa de Halley, á chegada do qual tive o favor, todo celeste, de assistir, em 12 de Setembro ultimo, nas chapas photograficas do observatorio de Heidelberg, adiantou-se para a terra a grande velocidade' -- notara Flamarion, em início de prosa bastante longa, a que vos vou poupar. Sublinhei apenas os aspectos que me pareceram mais interessantes. Ora... este aqui...: 'Segundo os calculos de muitos astronomos que se occupam neste momento da orbita especial do cometa durante a opposição actual, é possivel que elle passe diante do sol, a 18 de Maio. Os srs. Crommelin, na Inglaterra, e Searle, na America, estão de acordo com outros calculistas sobre esta posição'. Mais à frente há um trecho no qual o astrónomo emite mensagem tranquilizadora. Apesar da referência que faz à improbabilidade do 'envenenamento da humanidade por gazes deleterios', só pelo facto de ser referida, esta deve ter deixado os 'acagassados' com mais medo ainda. Se calhar nenhum deles tinha previsto a possibilidade do cometa poder matar por envenenamento! Voltemos ao ilustre brasileiro: 'Quaes as consequencias deste encontro, desta immersão? Sem voltar ao que eu disse na minha obra 'O Fim do Mundo', e sobre todas as formas que um encontro cometario com a nossa morada errante pudesse apresentar sobre diversos pontos de vista mecanico, phisico, chimico, thermodinamico, physiologico, podemos confessar que ignoramos a forma que o destino nos reserva para o mez de maio proximo. O envenenamento da humanidade por gazes deleterios não é provavel. Sem duvida, se o oxigenio da atmosphera viesse a combinar se com o hydrogenio da cauda cometaria, seria a asphyxia geral em curto prazo. Se, ao contrario, fosse uma diminuição do azoto, uma sensação inesperada de actividade physica, seria sentida por todos os cerebros, e a raça humana morreria em um paroxismo de alegria, de delirio e de folia universaes, provavelmente, no fundo, muito encantada da sua sorte. O oxido de carbono, ao contrario, poderia produzir a intoxicação de todos os pulmões. A analyse espetral não nos indica ainda quaes os elementos que dominarão na cauda do cometa. As combinações hydrocarburetadas de azoto são frequentes'. Como vêem, cenários não faltavam, apesar do optimismo do astrónomo. Onde é que está essa parte? Ah, aqui... 'Estes prognosticos não devem contudo, atormentar (inutilmente, em suma) os espiritos inquietos. As caudas cometarias são immensas, é verdade, mas tão leves, tão rareficadas, que a atmosphera terrestre é chumbo comparativamente. Mesmo que o nosso globo nelle fosse completamente mergulhado, estariamos sem duvida protegidos de qualquer cataclysmo pela nossa couraça atomospherica. O cometa seria comparavel a uma cerração atravessada por uma locomotiva a grande velocidade...' (nota 17) Em 1933, uma 'chuva de estrelas' muito susto causou à gente simples...Recorte respigado do Jornal 'Alma Nova' nº 358, de 10 de Dezembro de 1933 |