Viva a Liberdade! Mas vocês a pé e eu de carro! |
Capítulo II Página 4
-- Eu cá a parte que mais gostei, ó professor, foi aquela do eco. Aquilo é que era falar, o homem mais parecia um padre, ou então andou no seminário muito ano! Isto agora nem dá jeito a gente ir à missa, que os padres parece que andam cansados de falar bem e d'alto. Antes é que era bonito, cada sermão nas festas da padroeira! Então quando a encomenda era dada a um padre de fora, aparecia cá cada um que falava grosso que eu sei lá. Aquilo era coisa de encantar, por mor disso é que eu queria ir para padre quando era cachopo. -- E a coisa até que ia a condizer, Zé. Com o apelido do teu pai, que Deus tenha, se tivesses seguido a vocação hoje eras o padre Cristão! -- Bem apanhada, João da Neta. Mas olhem que naquele tempo de que estamos a falar os padres andavam muito mal vistos. Os republicanos acusavam-nos de ajudarem a sustentar a monarquia decadente, de taparem os olhos ao povo, acusavam-nos de mil e um pecados... --- Mas eles confessavam-se e logo eram perdoados, tão certo como eu me chamar Vanderlei. O professor tem aí alguma folha a malhar nos padres? Antes disso, ó Bernadete, traz-me aí mais um desses hamburgues horríveis, que já se me volta a dar a traça. E não te esqueças do traçado a acompanhar... -- Olha que se o patrão ouve não vai gostar. Estou farto de te dizer que nos fastifudes não servem traçados. É só Coca-Cola e Sevenetes. -- Então porque é que ele tem cá a pinga? Não é a empregada que traz o garrafão, homessa! Só com as coca-colas havia de estar bem aviado, fechava o tasco num mês, se tanto. Vais ver qu'isto ainda vai voltar a taberna, qualquer dia. Obrigado, Detinha, és um amor de cachopa. E pra já não chames empregada à Dete, que é filha do patrão. Ó professor, venha de lá então uma dessas contra os padres, se for boa até lhe peço uma fotocópia para dar ao padre Afonso. Ainda me expulsava de cristão, o raça do homem! -- Trago aqui dois textos, são ambos muito extensos, e destilam cá um ódio contra os jesuítas que vocês nem queiram saber! No fundo, o que o articulista faz é correr parte da história de Portugal, atribuindo as culpas de tudo ao que ele chamava de 'seita negra'... -- Um verdadeiro mata-frades, o tal de Paulino. Estou a ver que vem aí borrasca! -- E se te calasses e ouvisses fazias melhor, Veríssimo duma figa. Deixa o professor ler à vontade. 'Prometti da última vez, começou o sr. António, fallar-vos um pouco da jesuitada, essa maldita seita negra, e dos processos que usam para se engrandecerem e enriquecerem á custa dos outros, a quem muita vez lançam na miseria e na deshonra. Primeiro, porem, quero dar-vos a conhecer, ainda que muito ligeiramente o mal que para o nosso paiz tem trazido as reacções religiosas, que já por mais duma vez nos teem atacado, como agora também succede. Quem tiver lido um pouco de historia, a grande mestra da vida, poderá verificar o quanto essa seita tem sido prejudicial em todos os tempos para os paises que os admittem. Prejuiso para o desenvolvimento das riquezas publicas, para os bons costumes e para a instrucção. Não vamos mais longe; principiemos no reinado de D. João segundo, que foi um bom rei e que morreu há 415 annos. No seu reinado Portugal tornou-se grande, rico e forte, não só devido às grandes descobertas que os portuguezes foram fazer por esses mundos alem, como também pela boa politica do rei. Em sua vida nunca o clero, e nesse tempo o paiz era cheio de frades e freiras, poz os corninhos ao sol. Mas morre D. João e sobe ao throno D. Manuel. Este rei, principalmente para agradar á corte de Espanha, que tem sido sempre um paiz de carollas, tornou-se um grande beato. Caute! Logo a fradalhada começou a deitar os corninhos ao sol, como que a tentear o terreno. Logo nos primeiros annos do seu reinado Lisboa foi ensanguentada por uma enorme carnificina. Nesse tempo havia em Portugal muitos judeus tornados christãos, porque os que se não tinham querido baptisar haviam sido expulsos do reino. Mas apesar de convertidos á fé da nossa egreja, os padres mal podiam ver os judeus, tal foi em todo sempre o seu odio a todos aquelles que não pensam como elles, odio tam contrario á doce doutrina de Jesus Christo, que elles dizem pregar e seguir, mas que afinal não seguem. Num domingo, domingo de paschoela, na egreja de S. Domingos, uma restea de sol entrando pela frincha duma janella foi dar em cheio numa das pedras preciosas da custódia, que por isso começou a brilhar como se fosse um espelho quando também lhe dá o sol. Os frades começaram logo a gritar que era um milagre, que era um milagre. Um dos taes christãos novos, explicou a outro o que, em verdade era aquillo -- o reflexo do sol -- e não nenhum milagre. Tanto bastou para que logo os frades de S. Domingos entrassem a berrar: -- 'O que elle era um hereje, que devia ser morto por offender a Deus'. O povo bestealisado e fanático, tirou logo o pobre homem pelos cabellos para fóra da egreja e ali foi morto e lançado a uma fogueira. Os frades, com crucifixos na mão, vieram para a rua chamar 'Heresia! Heresia'. Que matassem os christãos novos! Que o céu estava pedindo vingança. Por toda a cidade houve um levantamento do povo que em três dias e três noites matou mais de duas mil pessoas e queimou mais de tresentas! -- E tudo isso causado pelos frades! -- commentou o João Russo...' (nota 10)
Muitos anos depois, outro jornal lousanense ainda se não esquecera dos jesuítas. Recorte respigado do Jornal 'Alma Nova' nº 290, de 30 de Outubro de 1931
A aguarela incluída nesta página, intitulada 'Auto de Fé', é da autoria de Levinda Penedos, e foi concebida especialmente para ilustração do livro e do saite 'No Fastifud da Bernadete'. |