Os tilifones |
Capítulo I Terceira Página
-- Então que tal, gostaram? -- Eu cá gostei. Como é que não havia de fazer impressão ao homem as vozes a passar pelos fios. Ainda hoje me mete cá uns bichinhos na cabeça, isso. -- E mais os do rádio, não é Zé Cristão? Com tantas vozes a ouvir-se tão bem. E a música? Na minha aparelhagem isteriofónica nova -- ai que me dá uma dor sempre que penso nisso, só inda vou na terceira prestação e faltam mais dezassete, só pra fazer a vontade ao meu Tadeu. Mas também o rapaz passou de ano, vá lá. E é melhor assim estar a ouvir música de bate-chapas do que andar na droga, não é? Mas custou-me os olhos da cara -- aquilo na aparelhagem parece que estamos a ouvir a orquestra com os instrumentos todos lá dentro de casa. E também vem tudo pelos fios... -- É que és burro, Veríssimo. Não vem nada pelos fios, é pelo ar, pelo éter. Por isso é que as aparelhagens são eteriofónicas. Não percebes nada disto. O professor tem mais dessas folhas do jornal? -- Tenho lá bastantes em casa. Mas olhem que a maior parte dos 'Serões do Povo', assim se chamava a rubrica, não versava sobre as tecnologias (nota 2). Era quase tudo sobre política. O articulista, que escrevia com o pseudónimo de 'Paulino', aproveitava aquela coluna para zurzir nos governantes, na porca da política, como eles chamavam, nos privilégios dos ministros e da família real. Ao mesmo tempo denunciava o sofrimento do povo, de quem os poderosos apenas se lembravam quando abria a época da caça ao voto. Aí começava a cacicagem a valer. Tinham um termo engraçado para essa tarefa de angariação de votos -- chamavam-lhe 'galopinagem', os angariadores eram os 'galopins'.
Não perca a notícia da inauguração da rede telefónica na Lousã. Reprodução de recorte do Jornal 'Alma Nova' nº 158, de 15 de Janeiro de 1927 |