Os tilifones

Capítulo I           Segunda Página

-- Então era assim:

'-- Ora viva sr. Antoino.

-- Venha com Deus, sr. Manel.

-- Ai, sr. Antoino, fui hontem a Coimbra e vim de lá banzado!

-- E antão porquê?

-- Agora é que eu digo que estamos no fim do mundo...

-- Estaremos, estaremos. O diabo o jure que nanja eu.

-- Isto quem não sabe é como quem não vê.

-- Isso é certo.

-- E quem não sai da sua terra não sabe o que é mundo.

-- Lá nisso diz muito bem.

-- Fui a Coimbra ao S. Bartalameu e vi por lá coisas que é duma pessoa ficar a bater na testa.

-- Ora essa!

-- É como lhe digo. Imagine vomecê que eu vi lá, por riba a aquellas casas e pelas ruas, muitos fios, muitos fios, uns ao par dos oitros. Como não sabia p'ra que aquillo era...

-- Haviam de ser os fios p'rós telegrammas...

-- Tamem eu o pensei ao principio, mas não eram. Era p'ró... p'ró... ora que diabo! Tenho o nome debaixo da língua. É assim... ah! agora já me alembro: era p'ró... ora que zanga! Lá me tornou a esquecer. Vomecê que andou já por Lisboa deve saber: são umas coisas pra uma pessoa fallar com outra pelos fios.

-- Ah! os tilifones.

-- É isso mesmo, tilifones. Ora veja lá vomecê, sr. António ao que a gente chegou! Como aquelles caras do diabo arranjaram uma engenhoca para estarem a fallar uns com os oitros ainda que cada um esteja muito longe do oitro.

-- É verdade. Até há um tilifone de Lisboa ao Porto.

--Ih! com raio! Mas o que me faz cá espécie é como as fallas podem passar pelos fios tão finos. Porque aquillo, cá na minha, com serteza que são ôcos por dentro.

-- Não, senhor. Aquillo é por artes inletricas.

-- Ah! isso sim. Diga-me dessas. Tamem cá me estava a parecer. Mas veja lá sr. António, como isto vai. Agora é que ninguem escapa que lhe fallem na pele.

-- Porquê?

-- Até aqui esta gente rica e que não tem que fazer, ajuntavam-se aos magotos em qualquer parte para estarem a creticar deste e daquelle. Agora, visto isso, lá na cedade, já não é preciso sair da casa, pois que se entreteem a fallar mesmo de casa! Ai mundo, mundo, onde irás parar!

-- Ainda vomecê não viu nada ali em Coimbra. Se vomecê fosse a Lisboa, antão é que ficava atolito.

-- Deixe lá que ali já chega. Andavam lá tamem a prantar nas ruas umas calhas como as do camboio, e eu preguntei se o camboio ia agora andar pelo meio da cedade. O's pois é que me disseram que eram para uns carros, que andavam sem ser puxados por cavalos, nem por manicas como os automoveles: é lá por uns fios inletricos.

-- Bem sei; são os carros inletricos como ha em Lisboa.

-- Mas ó sr. Antoino, isto, por mais que me digam, é coisa má. Não deve ser visto com bons olhos por Deus. Pois tanta coisa, tanta coisa! Até já alguns tipos andam pelos ares em balão!!!

-- É verdade.

-- Olhe: isto se calhar é mas é o fim do mundo.

-- Isso quero eu crêr.

-- Seja como for. Ora pró nobis.

-- Tambem digo. (nota 1)

A gravura incluída nesta página foi respigada da Revista "Arquivo Nacional", Março 1933

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