Ao Redor de Coimbra
São lugares onde o sol tem mais larguezas para esculpir as suas sombras. Há gente que espera, sem sobressalto, a chegada da cidade. A periferia sabe que é efémera, vai perder, não tarda, carta de alforria de aldeia, virar subúrbio, nome feio. Até lá, ouve-se o relato no rádio de pilhas, tem outro paladar. Planta-se sofá na árvore, é o banco dos pensamentos. Há animais que não vão ao veterinário, burros que sulcam carreiros em Andorinha, cegonhas que vêem passar a luz para alumiar a grande cidade. O dormitório dos invasores sem nome que chegaram das aldeias, convive com as aldeias com gente que sabe o nome de toda a gente, mesmo dos que não são dali mas lá casaram. A cidade ameaça derramar-se em tropel de betão, chegam mais buzinas, o claxon do telemóvel ainda se ouve baixinho, dá tempo para olhar o carrossel de nuvens que o cimento ainda não arranhou. As máquinas de lavar roupa têm margens, e arbustos, e água sem contador. Há tempo para ver passar a gente sem tempo que adorna sem cessar, o kitsch vai sobrevivendo envergonhado, os leões olham com espanto para o armazém de gente prantado à frente, nem uma gaiola na varanda. E há essa coisa plastificada dos estores que já despromoveu as cortinas rendadas a naperons. Ao
redor da cidade grande há tempo que passa sem a canseira de o retalhar em
minutos, o Certina acerta-se no céu, agradece-se com tocante educação a honra
de uma fotografia e pergunta-se a que horas vai dar na televisão.
António Costa
Pinto
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