Baseado em factos verídicos

"Baseado em factos verídicos" é etiqueta aposta a algumas estórias que vão passando pelos écrans. Quando aparece, a etiqueta sinaliza relação com uma estória concreta. Quando falta, não significa tal que o filme seja "ficção pura": quantas vezes os dramalhões chegados à tela não se baseiam não numa, mas em muitas estórias verídicas, que se repetem até à exaustão? O cinema é "ficção pura"? Há ficção que não seja pura? Há quem siga Brecht e outros que nunca o tendo lido vão ao nimas marcando sempre as distâncias entre o real e o fictício. Mas outros há se deixam envolver, mordem os lábios quando o herói perde a primeira batalha, avisam-no quando não vê o perigo chegar pelas costas. Ainda hoje, tantos anos passados da época que nos chamou a texto, há quem louve a prodigiosa memória dos pivots dos telejornais, porque não sabe da existência do teletexto. Real e ficção são mistura explosiva, todos o sabemos, mesmo os que nunca se sentaram na albarranística "Cadeira do Poder".

Ao tempo, vendia-se a ficção enquanto ficção; quando convinha, vendia-se a ficção feita realidade. "O DIREITO DE NASCER" era uma fita "humana!", "emotiva", e... "real!"; "O PROCESSO LAFRAGE" reportava a "um acontecimento virídico", o "célebre 'caso Lafrage'", a "tragédia que tanto apaixonou a França e o mundo inteiro"; "CASTIGO SEM CULPA" seguia a linha do filme anterior, inspirado num "caso judiciário que provocou sensação no mundo" e dava direito a uma séria e "realista" advertência aos espectadores: "Um drama invulgar que poderia ser o vosso!", aviso mais dirigido às mulheres, dado o filme tratar de "uma fatalidade" que fizera crer "que uma mulher era a autora da morte do seu marido". Felizmente tudo se terá esclarecido porque, neste filme "que abala os nervos" ela, que era "acusada pelos homens", foi "absolvida pela verdade".

"MOBILISAÇÃO GERAL" tinha cenas "de um realismo brutal", "ANIBAL E OS ELEFANTES" aparecia "com toda a força do seu realismo impressionante...". A verdade, mesmo que cruel, devia mostrar-se no écran: " OS VIKINGS -- Pela primeira vez o cinema faz reviver em toda a sua cruel verdade o primitivismo bárbaro dos mais temíveis conquistadores que o mundo conheceu!" (1960)

"GLÓRIA DE UM DIA" era um "vigoroso, real e humano drama"; "ALMAS EM PERIGO" trazia "cênas de um realismo impressionante, que o estupendo trabalho de Gary Cooper e George Raft mais realça e valorisa"; "CAÇA AOS TRAFICANTES" continha "combates autênticos e mortais"; "VILLA BORGHESE", "um filme arrancado à verdade da própria vida"; "AINDA ACONTECEM MILAGRES" tinha "um estranho cúmulo de realismo em cada cena"; "A ÚLTIMA BARRICADA" era "um espectáculo de inacreditável realismo", "A BELA DE ROMA" tinha "personagens reais", "EU FUI UMA ESPIA", de 1937, tratava do sublime sacrifício duma mulher, "oferecendo os seus lábios ao homem que devasta com metralha as casinhas da sua aldeia", e tudo isto narrado "com verdade emocionante".

"PÃO NOSSO", na Lousã em 1941, era uma filme "consagrado pela sua linda música e pela verdade que fixou do trabalho impressionante na lavoura portuguesa". "AMOR DE PERDIÇÃO" passava no Cine-Teatro em 1944, a publicidade martelava o encontro com a "vida real", a "verdade": "Uma tragédia amorosa, cheia de emoção e beleza, que traduz a vida real dum amor inegualável -- É um filme que entusiasma novos e velhos, que prende e arrebata pela verdade que encerra e pelo sentimento que transmite -- Não é um simples conto, é a verdade pura dos velhos costumes de Portugal em que o pai duro e déspota não permitia que a filha escolhesse livremente o companheiro da sua vida -- Não é uma história inventada, é a tragédia verídica de dois seres que se amaram loucamente e que decidiram morrer um pelo outro -- É uma produção onde existe um pouco da nossa própria vida e da alma dos portugueses -- AMOR DE PERDIÇÃO é uma obra de realismo (...)"