As feras, que se alimentam da carne de burros velhos, tem feito tal mortandade na espécie azinina...

Os "animais ferozes" povoariam o imaginário dos portugueses em relação à "verdadeira África desconhecida". Quem já sofrera os ímpetos carnívoros dos "ferozes" foram os burros de Miranda do Corvo, onde três anos antes havia sido exibido um "Salão Zoológico": "Encontra-se em exibição nesta vila, há já alguns dias, uma colecção de feras de diversas espécies. As numerosas pessoas que ali acorrem ficam extasiadas perante os pacificos enclausurados, especialmente ante a aldeia dos macacos. As feras, que se alimentam da carne de burros velhos, tem feito tal mortandade na espécie azinina, que, se aqui continuassem, dentro em breve não haveria um único burro no concelho...", vaticinava o jornal "ALMA NOVA", nº 375, de 21 de Abril de 1934.

Quinze dias antes o mesmo semanário dava conta da alegada descoberta de uma mina de ouro, por um prospector ao serviço da Companhia Mineira do Lobito. Ponhamos o ouro de lado, para atentarmos apenas na introdução: "EM AFRICA dão-se factos singulares, segundo os relatos da imprensa -- Não ha muitos dias ainda que os jornaes se referiram aos milhões de féras sequiosas que ameaçavam devastar toda a região do sul do continente africano, e já depois nos falaram de pragas de biliões de gafanhotos, tudo devorando e destruindo. Agora dizem-nos que se descobriu uma mina de ouro em Angola, em circunstancias misteriosas". (ALMA NOVA nº 373, de 7 de Abril de 1934).

Em Outubro, as feras voltavam a fazer estragos noticiáveis, aqui em respigo do luandense "Ultima Hora": "Onça que ataca um automovel -- Duas pessoas em perigo de vida. Recentemente, o director do porto do Lobito, sr. Goulart de Medeiros e o 2º oficial dos serviços aduaneiros Adelino Ferreira Pontes, levando em sua companhia as esposas, saíram de automóvel na intenção de fazerem um passeio, caçando pelo percurso. A certa altura focaram uma onça e fizeram-lhe um tiro que feriu ligeiramente a féra. Sem saírem do carro tentaram aproximar-se do bicho na presunção de que poderiam acabar de o matar sem lhe estragar a pele. O animal, porem, ao sentir perto os agressores, arrojou-se ao automóvel e com tanta infelicidade para os passageiros que o seu ataque foi dirigido contra o motorista, um preto que conduzia o auto. O negro defendeu-se denodadamente á faca, ferindo o animal que, enraivecido, se virou então para dentro do carro onde viajavam as duas senhoras e o Ferreira Fontes. Avalia-se o panico daquela gente quando a fera, em duas investidas deixa fora da luta o oficial das Alfandegas. Todavia, o preto, corajosamente, empunhando a faca, abre a protinhola do carro, salta á estrada, e por seu turno ataca a fera com tal furor, que só deixou de vibrar a faca quando ela expirou. O sr. engenheiro Medeiros tomou o volante, conduzindo os feridos que deram entrada no hospital de Benguela em perigo de vida". (ALMA NOVA nº 307, de 6 de Outubro de 1934).

Doutras ferocidades tratava a "Declaração" publicada no "ALMA NOVA" nº 424, de 8 de Junho de 1935: Declaração -- Maria da Piedade, casada com Francisco Rodrigues Bento, moradora no lugar das Levegadas, da freguesia da Lousã, declara, para os devidos efeitos, que se se encontrar um dia ferida ou mal tratada só pode disso se responsabilisar Francisco Bernardo, casado, do mesmo logar das Levegadas, visto que anda por ele ameaçada de morte".