O livro "Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949", de M. Félix Ribeiro, reproduz a crítica de António Lopes Ribeiro a este filme, publicada no "Cine Jornal", sob o pseudónimo de "Retardador". Ali encontramos efectivamente algumas passagens respigadas pelo cartaz, excepção feita à exortação final.

Eis o texto completo: "A Canção da Terra" foi realizada no meio de mil dificuldades. Não digo isto para desculpar os seus defeitos mas para encarecer. São essas qualidades de uma ordem muito rara, pois revelam uma extraordinária sensibilidade e um prodigioso poder de traduzir em imagens e em sons, isto é, de exprimir cinamatograficamente as sensações agudíssimas do autor. Brum do Canto escreve cinema à maravilha. Pelo menos, na "Canção da Terra" a sintaxe fono-visual, que se obtém pelo consórcio feliz da planificação e da montagem, não apresenta erros, nem deslizes. Mas "A Canção da Terra" não é apenas um filme certo: é um filme com estilo. Estilo particular, perfeitamente definido pelo realizador russo Tcherviakov, que chama às suas próprias obras ensaios líricos. Lírico, na acepção poética e não na musical, parece-me ser adjectivo insubstituível para qualificar o filme de Jorge Brum do Canto. Graças a esse lirismo, da mais pura fonte, o tema rude que escolheu o realizador aparece-nos sempre duma doçura, duma suavidade sem pieguice. O que mais me apaixona no tema da "Canção da Terra" é aquela gente que numa pequena ilha, acidente geográfico que é, por definição, rodeado de mar por todos os lados, vive um drama continental, uma tragédia quase alentejana ou melhor hiper-alentejana. A ilha de Man, tratada por Flaherty, é uma ilha lógica, em que a terra serve apenas para conservar as redes e calafetar os barcos. A ilha de Porto Santo é uma ilha paradoxal, em que o mar é tratado como um inimigo ou, pior ainda, como um desconhecido. A pesca é encarada como tarefa de desocupados, olhados com troça, por mais que se estafem a afirmar que gostam, gostam, gostam -- gostam muito de pescar... E isso atira com o argumento a uma altura tal, que o tema pode considerar-se um dos mais belos que têm sido tratados no cinema. E a "Canção da Terra" é, sem dúvida nenhuma, um filme muito bom. Também há quem prefira a segunda parte (a que passa depois do intervalo) à chamada primeira. Eu -- prefiro a primeira. Os dois "morceaux de bravoure" que lhes fazem luzir o olho na segunda, embora tão cuidados como os demais, não valem o equilíbrio, a frescura, a seriedade de processos e a segurança de execução que se verifica em todas as cenas que vão até à entrada de Bastiana em casa de Gonçalves".