O projecto do Mercado, de 1908, da autoria do arquitecto Silva Pinto
A
demora das obras fora, em parte, motivada por algumas modificações no
projecto, passando a ser dirigidas, em Julho de 1929, pelo Arqº Joaquim
Carvalho da Câmara e Silva, sendo no mês seguinte adjudicada a execução de
barracas. Era agora presidente da Câmara João dos Santos Jacob (1). E os
trabalhos avançavam, embora sem a celeridade desejada, como noticia, uma vez
mais, a Gazeta de Coimbra, em 9 de
Setembro: "Acham-se quase concluídas as barracas da venda de carne de
carneiro, que ficam muito decentes e em elevado número. Os trabalhos de
transformação vão decorrendo, mas, infelizmente, sem aquela actividade que
todos desejam para ver desaparecer de uma vez para sempre aquela vergonha";
e em 17 de Dezembro o mesmo jornal anunciava: "Foram já postas a funcionar
as barracas para venda de carneiro, miudezas, etc".
Desapareciam
assim as decrépitas barracas que tantas críticas tinham merecido ao longo dos
anos. Numa crónica com ironia e humor, a Gazeta
de Coimbra de 4 de Janeiro de 1930, sob o título O
mais atroz atentado de todos os tempos, "lamentava" o destruição
das velhas barracas do mercado, verdadeiros monumentos da antiguidade, por onde
tinham passado e vivido personalidades como Adão e Eva, Moisés, Viriato,
Afonso Henriques e outras figuras históricas.
E,
durante o ano de 1930, continuam as obras, com a construção de um portão de
ferro, uma nova cobertura do pavilhão do peixe e a abertura de mais um pavilhão.
O espaço era agora mais funcional e condigno. Do facto nos dá conta O
Despertar, em 15 de Novembro de 1930: "Os melhoramentos com que
ultimamente foi beneficiado o nosso mercado, vieram provar que as vereações
municipais, querendo, muito podem fazer em benefício desta terra".
Recordando um passado recente, continuava: "Toda a cidade protestava contra
o chiqueiro que para aí existia com o pomposo nome de Mercado D. Pedro V, todos
viam nele um escárnio ao progresso da cidade, um chavascal horrendo, onde se
expunham à venda, na mais asquerosa promiscuidade, frutas e hortaliças,
legumes e carnes verdes, flores e roupa velha". Era agora bem diferente o
que se deparava aos frequentadores: "As suas novas instalações
percorrem-se com agrado, destacando-se nelas as elegantes barracas que servem
para a venda de caça, frutas e flores, cuja beleza e excelente qualidade até têm
um melhor realce e frescura".
Faltava,
porém, algo ainda: "Se a Câmara consegue ampliar o modelo dessas barracas
a todo o mercado, regularizando convenientemente o seu pavimento, pode ficar
certa de que leva a efeito uma das melhores obras que nos últimos tempos se têm
realizado em Coimbra". E era isso que a Câmara iria procurar concretizar,
avançando para a construção do pavilhão central, feito em betão, cujos
trabalhos se iniciaram em 1932, continuando no ano seguinte.
O novo pavilhão viria a ser um importante benefício, relevante não só
para a nova fisionomia do mercado, mas sobretudo pela acentuada melhoria das
condições oferecidas quer aos vendedores, quer ao numeroso público que aí
afluía.
Entretanto,
em 1932, é deferido o requerimento para a construção dum quiosque junto à
entrada do mercado, cuja autorização foi dada com a cláusula de nele não se
poder vender vinho. Tratava-se do depois denominado "Bar D. Pedro V",
que resistiu até aos nossos dias, sendo uma referência complementar do próprio
mercado.
Tempos
depois, é colocado, dentro do espaço do mercado, um pequeno oratório com uma
imagem de Santo António, oferta da Ordem Terceira, que para o local foi levada
em procissão saída da Igreja do Carmo, e junto ao qual, flores e velas acesas,
testemunhavam a afeição pelo popular taumaturgo.
No
entanto, as obras de beneficiação com que o mercado fora cintemplado, não
afastavam a velha questão da construção de um novo noutro local da Baixa, e a
demolição do antigo, com a consequente extensão da Avenida Sá da Bandeira.
Tal ideia é defendida em sessão da Câmara, num projecto de melhoramento da
cidade, apresentado em 23 de Novembro de 1933, pelo vereador Daniel Pedroso
Baptista. Na sequência, um outro vereador, o Dr. Sousa Machado, propõe e é
acordado, em 1 de Fevereiro de 1934, que não se façam mais obras, sendo
aprovado, em 14 de Março seguinte, um novo plano de urbanização, que
preconizava que fosse determinado, para o efeito, um novo local.
Foi
esta questão uma constante na vida do velho mercado, que periodicamente se
equacionou, até aos nossos dias, surgindo com maior premência quando se
anunciavam obras de maior vulto. Os exemplos são vários, como vemos em 22 de
Julho de 1943, em que a Câmara deliberou expropriar uma casa que ameaçava ruína
no Adro de Santa Justa (junto ao Terreiro da Erva), destinando-se a área à
implantação de um novo mercado, ou em 18 de Novembro de 1948, com a aprovação,
por unanimidade da vereação, da proposta do presidente para ser estudado um
novo local. No mesmo sentido apontava o Anteprojecto
de Urbanização, Embelezamento e Extensão da Cidade de Coimbra, elaborado
por Etienne de Gröer, nesse mesmo ano, sendo de semelhante orientação o
recomendado pelo vereador José Filipe, na sessão de 22 de Setembro de 1955,
para "que se não façam grandes investimentos no mercado, visto o mesmo
estar condenado".
Também
a Imprensa, ciclicamente, se referia ao facto. Sirva de exemplo o título de um
artigo do Diário de Coimbra, de 22 de
Setembro de 1955, que resume o conteúdo: "Justificar-se-á o dinheiro que
se está gastando no Mercado D. Pedro V, ante a imperiosa necessidade do
prolongamento da Avenida até aos Correios e a demolição desse anti-higiénico
e inestético aglomerado que constitui o actual recinto onde a população vai
abastecer-se?"
O
certo é que o velho mercado a tudo ia resistindo, com a merecida fama de ser
uma praça farta, com produtos cuja excelência era comumente reconhecida, desde
as frutas e legumes dos férteis campos do Mondego, ao peixe que diariamente aí
chegava vindo da Figueira da Foz, ou das carnes que, em tempos longe da peste suína
africana ou da doença das vacas loucas, satisfaziam as necessidades dos seus inúmeros
compradores.
E
na azáfama do dia-a-dia não faltavam os episódios mais ou menos pitorescos,
como aconteceu pelas dez e meia do dia 27 de Setembro de 1935, em que no pavilhão
do peixe se gerou um verdadeiro motim, "fazendo as vendedeiras,
acompanhadas pelo público, grande algazarra, e dirigindo chufas a um casal que
àquela hora por ali passava". A razão é acrescentada na acta da Câmara
de 3 de Outubro seguinte, que especifica "que o borburinho foi motivado por
o referido casal, especialmente a mulher, se apresentar com um vestido que
parecia bom demais para a sua condição". Não é precisa muita imaginação
para recriar a cena... E também as relações entre as vendedeiras não seriam
sempre as melhores, como o prova o requerimento feito à edilidade, em 15 de
Julho de 1937, pela arrendatária de uma barraca, que pedia para que uma sua
vizinha fosse transferida para outro local, por se lhe tornar incómoda tal
vizinhança. A deliberação de indeferir o solicitado dificilmente contribuiu
para melhorar as relações entre as vendedeiras desavindas.
Apesar
da decisão, já referida, de não continuar as obras, e que de novo foi reforçada
em 20 de Janeiro de 1938, o certo é que as reparações não podiam deixar de
ser feitas, como acontece em 1942, em que a cobertura do pavilhão do peixe teve
de ser escorada, por ameaçar desabar, ou, no ano seguinte, com o arranjo das
escadas.
A
construção, em 1948, do novo edifício da Caixa Geral de Depósitos, que
implicou a saída de vários comerciantes das casas então destruídas, leva a Câmara
a estudar o aproveitamento dos terrenos existentes entre o mercado e a Rua
Martins de Carvalho, para o seu realojamento, sendo o projecto concluído no ano
seguinte.
Periodicamente
surgem novas reparações, sendo sobretudo frequentes as executadas na cobertura
do pavilhão do peixe, e em 1955 algumas obras de vulto se realizaram,
destacando-se entre elas a construção de um novo pavilhão de fruta.
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(1)
- Embora não relacionado com o assunto, não resisto a relembrar que foi no
mandato deste presidente que teve lugar a iniciativa pioneira de dotar a cidade
com recipientes metálicos para recolha hermética dos lixos domésticos. E, do
nome do edil, vieram em Coimbra os úteis receptáculos a receber o nome popular
de jacós.
O projecto de 1925, que não viria a ser concretizado