Vista geral do Mercado D. Pedro V, no início do século XX
Mais
tarde, em 1864, de novo surgiu a premência da construção, tendo, nesse ano, a
Câmara solicitado às suas congéneres de Lisboa e Porto plantas dos seus
mercados.
A
questão do local mantinha-se, sendo decidido pela Câmara da presidência do
Dr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, em 5 de Janeiro de 1866, perante as
plantas dos dois projectos, escolher o terreno da horta de Santa Cruz, em
detrimento da Sota. Para o efeito, foi deliberado obter um empréstimo de
13.000$000 reis, muito aquém dos orçamentos que, anos antes, eram indicados.
A
Câmara argumentava a favor da localização escolhida, com o facto de a horta
de Santa Cruz ser propriedade da edilidade, o que faria com que o custo do
empreendimento fosse menor, em contraste com a Sota, que implicaria o alteamento
do local, vítima de cheias periódicas, além do elevado montante das expropriações
a fazer, para a edificação do novo mercado.
Contra
o local designado (logo, a favor da Sota) eram apontadas fortes razões. Em
primeiro lugar, a situação. A horta de Santa Cruz estava longe de tudo (não
nos esqueçamos que na época não existiam a actual Avenida Sá da Bandeira, a
Praça da República e todas as ruas que nela convergem, constituindo todas
essas artérias a antiga Quinta de Santa Cruz, então propriedade particular); o
Bairro de Montarroio era então um pequeno aglomerado; o acesso à Alta era
feito por um apertado caminho que ia dar à Rua do Colégio Novo. E a própria
comunicação com a Baixa fazia-se por uma estreita ligação, que só mais
tarde viria a ser alargada com a demolição do lanço norte do Claustro da
Manga e do arco que o ligava ao edifício que é hoje a Escola Jaime Cortesão.
Igualmente estava em oposição ao projecto o comércio da cidade, quase todo
concentrado na Baixa, que via assim desaparecer um lugar de atracção do público
para a sua actividade.
É,
pois, com uma forte contestação, que a escolha da localização é acolhida.
Logo, a Associação Comercial de Coimbra, que, em representação dirigida à Câmara,
se manifesta contra a opção, embora não indicando local, apontando as
desvantagens da situação do projectado marcado. Por outro lado, eram também várias
as vozes que se erguiam a favor da horta de Santa Cruz, como é o caso dos 912
munícipes que apoiaram, em abaixo-assinado, a decisão camarária. A esses
responderam 1.501 cidadãos com uma representação entregue na Câmara,
defendendo a construção na Sota. As dúvidas levantadas sobre a veracidade de
todas estas assinaturas provocou um verdadeiro vendaval na cidade, em que vieram
à baila acusações de falseamento dos cálculos do valor dos prédios a
expropriar na Sota, o exagero das medições necessárias para o efeito e o
consequente empolamento do custo do mercado a construir aí. E, como não podia
deixar de ser, as paixões políticas exacerbadas que a questão fizera
levantar. O alvoroço estava em todo o lado, como nos dá conta O
Conimbricense de 11 de Abril de 1866, relembrando períodos exaltados da
história coimbrã, então na memória de todos:
"Reina
grande agitação na cidade, por causa do projecto camarário na Horta de Santa
Cruz. Projectam-se meetings, e novas representações, e por toda a parte, e nos
diversos grupos, que se vêm reunindo na Calçada e na Praça, não se fala de
outra coisa. Estaremos em vésperas de algum acontecimento extraordinário? O
aspecto do bairro baixo de Coimbra faz lembrar a entrudada de 1854, a questão
do perdão d'acto de 1864, e a
mudança do Conselho Superior em 1859. Este negócio está-se tornando gravíssimo.
Cumpre aos poderes públicos usar de toda a prudência e moderação".
A
Imprensa noticiosa de Coimbra, constituída por O
Conimbricense, O Tribuno Popular e O País opunha-se
unanimemente à localização decidida, tendo o último sido extremamente duro
nas críticas, chegando mesmo à acusação pessoal ao presidente e à sua
honorabilidade, questão que chegaria aos tribunais.
O
problema ultrapassaria as fronteiras da cidade, apresentando o comércio de
Coimbra ao Governo, uma petição, em 29 de Abril de 1866, requerendo a vinda de
um engenheiro da confiança governamental, para proceder, imparcialmente, à
escolha do local, e uma outra, na mesma data, endereçada à Câmara dos
Deputados, solicitando o adiamento da aprovação do empréstimo necessário
para a construção do novo mercado.
E
na Câmara dos Deputados a proposta de lei, apresentada pelo Ministro do Reino,
seria discutida com veemência nas sessões de 29 e 30 de Maio e 4 de Junho
de 1866, com exaltadas argumentações de lado a lado, em que, mais uma
vez, foram evidentes as motivações políticas dos intervenientes. Acabou,
finalmente, por ser aprovado o empréstimo, que permitiria avançar com a
edificação da obra.
Comentando
a decisão do Parlamento, cujas actas transcreveu, conclui O
Conimbricense de 16 de Junho de 1866: "E desta forma terminou em a Câmara
Alta a discussão do empréstimo para a construção do novo mercado nesta
cidade. Não foram felizes os defensores, mas venceram, em número. Está pois
consumada a autorização do desperdício. Veremos ao menos se haverá mais bom
senso na execução dele".
Obtida
a aprovação superior para o empréstimo, iniciam-se em Outubro de 1866 as
obras, com a escavação de 3.695 metros cúbicos de terras, para
nivelamento dos terrenos, que a própria Câmara viria a deliberar fazer por
sua conta.
As
obras não seriam isentas de críticas e acusações graves, como as feitas por O
País ao Dr. Pereira Jardim, em 2 de Maio de 1867: "Há tempos deu (o
presidente da Câmara) por arrematação
(!) uma porção de cantaria para o célebre
mercado a um seu compadre, por muito mais do que outros se prestavam a fazer o
mesmo serviço, e o que é ainda mais revoltante, apresentou na praça condições
que depois particularmente escusou, com que beneficiou aquele seu compadre em
mais de 400$000 reis, em prejuízo do município. Que tal é a honradez de S. Exª
!".
Atingido
na sua honra e dignidade, vem o Dr. Pereira Jardim justificar-se perante a opinião
pública, através da Imprensa, repudiando vivamente as acusações, deliberando
no dia seguinte a Câmara levar à barra do tribunal o director do jornal.