O testamento de Diana

Dora Ribeiro* (de Lisboa)          Observatório da Imprensa

O título deste artigo é o de uma crônica do jornalista português Miguel Sousa Tavares no jornal Público, de Lisboa, e resume com ironia o caráter abrangente e contraditório de tudo o que se tem dito e escrito em Portugal desde o dia 31 de agosto sobre a morte de Diana Spencer. Primeiro foi a avalanche de notícias e imagens, acompanhadas por críticas ferozes à atuação dos paparazi e jornalistas em geral; uma semana depois, com os ânimos mais calmos, começaram a surgir as primeiras reflexões na imprensa. Lições de todo o gênero e curas para muitos males ganharam relevo por causa dos paparazi. Houve mesmo quem se aproveitasse políticamente do acontecimento, como o embaixador de Angola em Lisboa, que, escrevendo no semanário da elite portuguesa, o Expresso, enalteceu a coragem da princesa pela sua campanha contra a utilização de minas terrestres e pediu a sua proibição por um adendo à Convenção de Genebra. Isso, quando se intensificam as notícias de um possível recrudescimento da guerra naquele país africano.

Entre os colunistas dos principais jornais de Lisboa as opiniões dividiram-se. Alguns preferiram fazer um mea culpa, disfarçando-o de um sentimento de culpa da sociedade ocidental, que se olhou ao espelho e não gostou do que viu. "Todos se sentiram culpados", escreveu o mesmo Expresso em editorial. No Público, um jornalista preferiu acusar os fotógrafos, que "roubam imagens a qualquer pretexto e são fortemente recompensados." E avisou: "É preciso clarificar melhor o interesse público que justifica os seus atos. Porque senão é a própria imprensa que, um dia, sucumbe ao veneno que vai inoculando nas próprias veias".

Outros articulistas defenderam a imprensa, lembrando que a própria Diana tinha sido uma exímia manipuladora da mídia. A Princesa das Revistas do Povo, como a chamou Miguel Sousa Tavares, abalou a monarquia inglesa sem ter de tomar a Bastilha, nem assaltar o Palácio de Inverno. "Bastou ser capa de todas as revistas do mundo", escreveu o jornalista. Interessante foram os artigos que analisaram sociologicamente o "regabofe mediático". Para o escritor Vasco Graça Moura, o fenômeno Diana é inexplicável e mostra que, "a continuar com estes assustadores níveis comportamentais, entre o desvario dos media e a sentimentalidade fácil e descabida, a sociedade ocidental e os seus valores vão acabar por ter também um lindo enterro". O intelectual Eduardo Prado Coelho foi por outro caminho e escreveu: "A verdade é que as fronteiras entre o público e o privado são flutuantes e indecisas."

O melhor resumo analítico da imprensa portuguesa que vi foi o de Victor Cunha Rego, no Diário de Notícias. "Com as circunstâncias da morte de Lady Di e as manifestações que suscitou a sociedade destapou-se". E concluiu: "O absurdo pode acontecer agora que todos somos adolescentes, encontramos numa top model a simbologia da vida e aceitamos que o ideal esteja entre Versace e Madre Teresa de Calcutá".

 * Artigo respigado do saite do Observatório da Imprensa (Brasil)

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