Jornal EXPRESSO


Marilyn & Diana

A INTROMISSÃO INSENSÍVEL DA IMPRENSA E DO PÚBLICO CONSUMISTA NA VIDA PRIVADA DE INDIVIDUALIDADES PÚBLICAS CONDUZ AO «ASSASSÍNIO» DA LIBERDADE

Carlos Lopes Gomes Laranjeiro (Almada)

13/09/1997

Talvez alguns fiquem indignados com a comparação. Para todos os que não fazem parte do enorme batalhão de fãs de Marilyn Monroe, compará-la à agora também desaparecida princesa Diana poderá parecer uma heresia. Mas, antes de contestarem, reparem nestes estranhos e coincidentes caprichos do destino: qualquer delas morreu inesperadamente numa madrugada de um domingo de Agosto, aos 36 anos de idade. Uma e outra estiveram terrivelmente expostas à imprensa e à opinião pública: as suas imagens foram exploradas para além do que seria admissível ou tolerável para qualquer ser humano. Ora apresentando uma indelével fragilidade, ora derretendo-nos o coração com sorrisos cândidos, Marilyn e Diana tentavam a qualquer custo afirmar as suas personalidades e as suas formas de estar, contra tudo o que pudesse ameaçar momentos de efémera felicidade . Marilyn morreu sem nunca ter ouvido pronunciar a palavra «paparazzi»; não obstante, a verdade é que ela não só foi a mulher mais fotografada do seu tempo como foi também aquela que (até então) veria a vida privada vasculhada milímetro a milímetro e controlada por todos - excepto por ela própria. Três décadas após a sua morte, o mundo parecia ter esquecido que a intromissão insensível da Imprensa e do público consumista na vida privada de individualidades públicas conduz ao «assassínio» da liberdade e a um desespero capaz de gelar a alma dos que vivem esses momentos. Esse «pequeno» esquecimento foi agora evidenciado, cruel e brutalmente, com a morte de Diana. Escrever sobre «Marilyn & Diana» sem referir «Kennedy & Windsors» seria o mesmo que falar em Abel sem referenciar Caim. Kennedy & Windsors- dois poderosos clãs que, à sua maneira, manipularam estas raparigas de sonho. O pesadelo começou quando não permitiram que estas fabulosas raparigas tivessem os seus próprios sonhosÉ

"A época em que estamos a entrar será na verdade a era das multidões"

(Gustave Le Bon, 1895)

À hora em que escrevi este artigo, estava a realizar-se o cortejo fúnebre da princesa de Gales, seguido por todo o Mundo através das televisões, rádios e jornais. Da sensação de tudo isto posso dizer que senti nojo e repúdio. Entrou-se e está a viver-se uma autêntica paranóia mediática em torno da lamentável morte da chamada princesa do povo. Vive-se um estado febril e alucinatório por parte das multidões sequiosas do sensacionalismo, da mediatização, da compra tresloucada de jornais e revistas e, por muitos, do olhar frenético das imagens que as cadeias de televisão transmitem, numa autêntica guerra de audiências sem paralelo. Já assim tinha sido em vida da princesa e levou onde levou! Diz-se que a comunicação social é o quarto poder. Estou de acordo se se disser que o é, simultaneamente, com o poder das multidões. No fundo, subjugam-se um ao outro. É um autêntico ciclo vicioso! Muitos meios de comunicação social vivem do sensacionalismo, duplicando e triplicando as suas vendas, e as rádios e televisões os seus telespectadores e ouvintes. Mas porquê?... Porque o público exige uma determinada forma de informação (ou desinformação?...), como quem exige a sua dose habitual de droga! E esses meios de comunicação social vivem disso! Tenhamos a coragem de perguntar: - "O que seria dos "paparazzi" e da comunicação social sensacionalista e alimentadora e fazedora de escândalos sem esse público para quem afinal trabalha?" ...E tenhamos também a coragem de dizer que esse público é também co-responsável por esta trágica morte! Não sei se grande parte de toda esta reacção do público se fica a dever a toda uma consciência pesada ou então a lágrimas de crocodilo, por parte de muitos, continuando a lógica do sensacionalismo e de toda esta vaga frenética e alucinante. É ou não é verdade que a princesa Diana declarou aflitivamente: - "Deixem-me, já não aguento mais, chega!". Pobre princesa, mesmo depois de morta não tem descanso, nem paz! Continuam a atormentar a sua alma! Aqui para nós: no fundo, até a morte de Diana constitui um negócio e dos grandes! Foi ou não foi uma boa e macabra oportunidade para certos jornais triplicarem as suas tiragens, certas rádios aumentarem a sua audiência e a guerra de audiências entre as televisões atingir o rubro! Até foi bom para certas empresas de aviação que nunca venderam, em tão curto espaço de tempo, tantos bilhetes para Inglaterra! Até aposto que há-de haver muitos destes responsáveis de televisões, de rádios, de revistas, etc. que, lá no fundo e muito secretamente, até esfregam as mãos de contentes, macabramente pensando: - "Não haver assim um caso regularmente!" Até a morte traz negócio! E um dos aspectos mais dramáticos é ver-se, como já vi, pessoas a "guerrearem-se" nos quiosques de jornais, etc., pela compra de revistas e jornais, de preferência que tragam tudo e o mais empolgante possível desta morte! De facto, as pessoas em multidão assustam com o seu terrível poder! São, no fundo, elas que exigem e que mandam! E o mais terrível é a sua alienação e, em alguns casos, ignorância profunda. Vi duas senhoras a devorarem com os olhos as fotografias mediáticas e sensacionalistas desta morte e a exclamarem: - "Vejam bem, o "maricas" do príncipe Carlos até aparece vestido com uma saia e com meias até aos joelhos!...". Santa ignorância! Ao menos, essas revistas podiam esclarecer as pessoas sobre o traje de gala escocês de cerimónia! Mas... não é isso que vende papel e faz correr rios de tinta!... O mais grave de tudo é que as multidões ainda não se deram conta de que, para além das suas responsabilidades nesta morte, se realizou e realiza, no fundo, a maior traição aos insistentes e desesperados pedidos de Diana! Quase todos foram incapazes de sobriedade e comedimento no seu legítimo pesar por esta morte! Por favor, deixem em paz a alma de Diana e deixem-na descansar! Também ela foi de início culpada ao deixar-se enredar por toda esta teia de interesses e alienação e dar demasiada confiança ao povo! Quando percebeu isso, já era tarde de mais e pagou com a morte a fome insaciável das multidões. Até já se chegou ao ponto de aproveitar esta morte para se atacar e pôr em causa o futuro da instituição real inglesa! Pobre princesa, não te deixam em paz! Outra morte profundamente lamentável, e que representa uma perda irreparável para a Igreja e para o Mundo em geral, é a de madre Teresa de Calcutá, superiora e fundadora das missionárias da caridade. A santa dos pobres, com toda uma vida de luta pelos pobres, pelos desprotegidos, pelos doentes, etc.. Foi realmente um duro golpe! Mas talvez não tenha a mesma romaria, os mesmos efeitos mediáticos, as mesmas honrarias, etc. que teve Diana. E se o não tem não é em atenção ao exemplo de vida que levou e aos valores pelos quais se bateu! É porque a febre mediática não irá passar por aí da mesma forma que passou por Diana. E é bom que não passe para não haver uma segunda traição para com esta santa que um dia afirmou: - "Não faço mais do que o trabalho de Deus", e que sempre recusou honrarias, luxúria, exibição, efeitos mediáticos, etc.. Não, não é isso que ela queria. O que ela queria, o sonho dela, era que o Mundo lhe seguisse o exemplo! Mas... como? Se vivemos num mundo hipócrita, de mediatização e alienante?... Razão tinha alguém quando afirmou: - "O próximo século ou é um século de verdadeira espiritualidade e radicalmente oposto a este ou então não é nada!".

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