A imprensa no banco dos réus

Manuel Coelho dos Santos*. Advogado            Jornal de Notícias 07/09/1997

1- Pela primeira vez, ouvi, papagueada, a palavra "paparazzi" - que se refere aos fotógrafos caçadores de imagens furtivas de figuras célebres, os quais vendem essas fotografias por preços fabulosos. Na circunstância, os jornalistas da televisão quiseram destrinçar as águas: os "paparazzi" são gente desprezível e não são, como eles, jornalistas. Não são jornalistas, mas estão ao serviço da chamada imprensa sensacionalista, ou "cor-de-rosa", especializada em segredos de alcova e chamada também por isso imprensa de "cano de esgoto". Mas não foi só essa imprensa que promoveu Diana, que contribuiu para a sua morte e a transformou num mito. Instituições tidas como respeitáveis - estou a lembrar-me de uma entrevista na BBC - não se esqueceram de vasculhar a vida de Diana, numa flagrante violação da sua intimidade, por essa via a transformando em ídolo de milhões de almas cândidas que há por esse mundo fora. Os jornalistas sérios, que sabem que a profissão não é asséptica e tem antes uma função social, não estão neste caso em causa, mas o jornalismo mau tende a destruir o bom e acabará por destruí-lo na malfadada "guerra de audiências", se entretanto não abrirmos os olhos e não formos capazes de tomar as medidas adequadas.

2 - Sobretudo quando temos uma vida mesquinha e sem horizontes, suprimos essa mesquinhez com o sonho e a ilusão! O vestido precioso que a princesa exibe no seu casamento é como se fôssemos nós a vesti-lo, a ostentação dos poderosos é como se fôssemos nós a vivê-la. A coscuvilhice é natural se não temos nada de válido a ocupar-nos o espírito. As revistas "cor-de-rosa" proliferam entre nós e têm mercado assegurado, enquanto os jornais a sério, também por culpa própria, vêem diminuir o número dos seus leitores. Pinto da Costa, no estilo directo que lhe conhecemos, desabafava há dias na rádio, a propósito das revistas sensacionalistas: "Não sou leitor nem consumidor dessas revistas, mas quando pego nelas vêm lá as Lilis, as Tuxas, as Nuxas, as Tilas, toda essa gente que até têm nome de gatos". Choca-me ver figuras conhecidas da rádio e da televisão - algumas até com mérito próprio - sujeitarem-se a entrevistas nessas revistas com afirmações como estas: "O meu casamento continua sólido"; "assumo a minha separação". A comunicação social é hoje o meio mais fácil de promover nulidades, de consagrar quem é válido, de desfazer ídolos e lhes decretar a morte civil, deixando só de falar neles. E porque essa é a sua força, quem manda não a afronta, até ao dia em que os abusos cometidos imponham soluções drásticas, contra as quais antecipadamente me manifesto, porque a liberdade de imprensa foi uma luta difícil e que deixou marcas. A última publicação da Alta Autoridade para a Comunicação Social diz-me: condenou essa Alta Autoridade determinada estação de televisão a desdizer o que afirmara, repondo no seu lugar a honra alheia; o referido canal de televisão desobedeceu e sujeitou-se a uma coima de 1000 contos. Com multas a este nível e com os tribunais a funcionar como funcionam, os abusos de liberdade de imprensa e a violação da vida íntima das pessoas mantêm-se na total impunidade. Quanto à rádio e televisão pagos por nós, entendo que não devem ser privatizadas, se tiverem a noção do que é o interesse público. Uma sociedade civilizada tem uma hierarquia de valores: todos, perante a morte, temos a mesma dignidade humana; mas quem prestou relevantes serviços à comunidade ou à humanidade merece de todos nós um outro preito de homenagem. O que se passou durante esta semana com o canal 1 da televisão diz-me que é em vão que estamos a pagar milhões de contos de prejuízo.

  *Artigo respigado do saite do Jornal de Notícias (Portugal)
 

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