A princesa e os paparazzi |
Narana Coissoró*. Professor universitário Jornal de Notícias 05/09/1997
O primeiro-ministro Tony Blair, num improviso sóbrio mas ao mesmo tempo comovente, traçou o perfil da princesa de Gales - Diana Spencer - elevando-a a princesa do povo, como certamente ficará a ser conhecida para a posteridade. As suas preocupações com os humilhados e ofendidos, os doentes, os idosos, as vítimas da SIDA e, ultimamente, a cruzada contra as minas pessoais largamente "compensaram" as grandezas e misérias da condição humana de uma mulher jovem, bonita, inteligente e generosa. Moveu uma guerra, ora surda ora aberta, contra a monarquia britânica tal como ela é hoje, contribuiu para trazer à luz do dia muito do que sempre existe atrás dos fortes muros do Palácio de Buckingham, expôs o modo de vida de suas altezas a quem o quisesse conhecer, ganhou a simpatia do povo, sem esconder, e muito menos negar, os seus pecados, e era conhecido o seu intento de colocar em sua vida o seu filho mais velho no trono da Grã-Bretanha. Manteve uma relação de amor-ódio com os "media" e também com os paparazzi que, ao mesmo tempo que lhe devassavam a privacidade ou a sua intimidade, construíam o pedestal para a sua maior e melhor visibilidade no mundo inteiro. Mesmo os órgãos de comunicação social respeitáveis, como a BBC, acarinhavam-na e, de uma forma subtil, acompanhavam-na nas suas frechadas contra a realeza. Recorde-se a magnífica entrevista à BBC em que ela, com uma pose estudada ao milímetro, respondeu a todas as perguntas como que num acto de cirurgia exímio e complexo de exposição da sua vida e confessou o adultério sem modificar o semblante ou o tom de voz. Por vezes, segundo se sabe, provocava os "paparazzi" a fotografá-la, mostrando-se depois irritada ou magoada, outras vezes expulsava-os pedindo-lhes que preservassem a dignidade dos seus filhos. Os seus amigos e amigas moviam campanhas contra o marido, príncipe Carlos, para justificar os seus passos - principalmente os deslizes. Foram a comunicação social e os "paparazzi" que a mudaram de princesa de Gales para princesa do povo. A sua morte poderia servir para alguns dos seus admiradores e políticos em geral moverem a guerra santa contra o jornalismo infame, contra a escória dos fotógrafos que vivem do negócio de devassa de figuras públicas, do escândalo dos ministros a fazer de gatinhos perante as suas amantes ou de vestirem em apartamentos clandestinos a roupa interior das senhoras, como veio a público nos últimos anos. Seria esta uma oportunidade excepcional para varrer do mundo a raça dos "paparazzi". Simplesmente, o motorista ébrio estoirou a estratégia. Não foi a perseguição dos "paparazzi", tão habitual, que foi a causa da morte, mas um acontecimento anómalo: a substituição do condutor de serviço por um outro que talvez nem sequer sabia que viria a prestar tal serviço, e, por isso, tivesse ingerido o álcool como num dia de descanso. A opinião pública britânica queria a vingança. Anunciou de antemão que os "paparazzi" iriam ser indiciados pelas autoridades judiciais francesas do crime do homicídio involuntário, como se seguir um carro à distância, que vai a mais de 190 km/h, num túnel, só por si fosse um delito! Quando se soube do motorista alcoolizado foi um banho de água fria! Chamou-se-lhe "golpe de teatro". Agora alguns "paparazzi" estão detidos, outros em liberdade, todos vão responder em tribunal por não terem prestado socorro às vítimas. Era sua obrigação fazê-lo? Foram eles que atropelaram o casal Diana-Dodi? Qualquer cidadão que presencia um acidente é obrigado a parar e a socorrer imediatamente as vítimas? Tinham os paparazzi obrigação legal ou meios para o fazer perante os destroços do carro? Foi por falta de assistência dos "paparazzi" que o casal sucumbiu à morte? Tudo a responder pela negativa. Veremos os próximos passos da Justiça francesa. O problema da protecção da imagem, do respeito pela privacidade ou da protecção da intimidade da vida privada é candente na literatura jurídica e forense. O princípio é um dos Direitos do Homem consagrados nas declarações universais, e está inscrito nas constituições modernas como a nossa. Os "paparazzi" não são jornalistas de ofício e não têm qualquer deontologia a observar. Fazem-se à vida recorrendo a todos os expedientes para ganhar a vidinha. O comportamento delituoso, dos tablóides que lhes compram os retratos a peso de ouro e depois os publicam para milhões de consumidoras ávidos de notícias e imagens de escândalos. Uns e outros são os culpados do atentado contra a imagem, bom nome e intimidade da vida familiar. Estão viciados no "voyeurismo" a troco de alguns escudos do exemplar da folha impressa. A multiplicação das revistas de exibição da vida cor-de-rosa em Portugal é apenas um passo inicial, que pode acabar num drama semelhante ao de Diana. É preciso ler com atenção o prestigiado jornalista do DN, Óscar Mascarenhas, que escreveu um importante texto sobre a deontologia profissional nesta matéria. Todo o cuidado é pouco. |
*Artigo de opinião respigado do saite do Jornal de Notícias (Portugal)
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