A data inesquecível

A Web é hoje, naturalmente, um autêntico Festival Di

Cora Rónai           O Globo     05/09/1997

Até 22 de novembro de 1963, a TV era tida pelo público como um simples meio de entretenimento; seu caráter jornalístico não passava, na melhor das hipóteses, de mera curiosidade. Mas, naquele dia, o choque causado pelo assassinato do jovem e fotogênico John Kennedy deu, à máquina de divertir, o status oficial de máquina universal de notícias. É possível que tenha acontecido à Internet algo parecido no último dia 31 de agosto.

Ainda estamos perto demais da comoção causada pela morte da jovem e fotogênica Diana Spencer para fazermos uma avaliação serena da reação pública; mas o fato é que, ao longo da semana, a Internet transformou-se no centro de convergência das nossas dúvidas, inquietações e perplexidades.

Na própria madrugada de sábado, era quase impossível entrar nos grupos de discussão da Usenet; livrarias online já tinham seleções de biografias, autorizadas ou não, para pronta entrega; as edições online dos jornais e das redes de televisão lutavam para pôr no ar, o mais rápido possível, o maior número de informações; home-pages brotavam como cogumelos em dia de chuva. O próprio Palácio de Buckingham anunciou, poucas horas depois da morte da princesa, a URL da home-page que podia ser visitada para as condolências de seus súditos enlutados: www.royal.gov.uk. Por sinal, uma boa página.

Curiosamente, todas as edições internautas dos jornais ingleses dormiram no ponto. No final da madrugada, domingo clareando aqui no Rio, mas já bem adiantado em Londres, as notícias mais emocionantes do "Guardian", do "Telegraph" e do "Times" tratavam de um jogo de rugby. Ou eles não pegaram o espírito da coisa, ou estavam histéricos preparando as edições para as bancas.

A Web é hoje, naturalmente, um autêntico Festival Di. De todos os sites de ferramentas de busca, quem está com a coleção de links mais completa e bem organizada é o Yahoo www.yahoo.com; não há nada que alguém ainda queira saber sobre a Princesa de Gales que não encontre lá, inclusive as inevitáveis teorias conspiratórias da história. A primeira delas, aliás, talvez graças à diferença de fuso horário, apareceu na Austrália, ainda no sábado de madrugada: a morte de Diana e de Dodi Al Fayed interessaria aos governos inglês e americano (!), à família real e aos fabricantes de armas...

Mas o melhor de todos os textos está, para variar, na Wired www.wired.com. Lá, o colunista Jon Katz senta o pau na imprensa. Não nos paparazzi, como hipocritamente se está fazendo em toda a parte, mas nas redes de televisão, revistas e jornais, com suas coberturas gongóricas, gigantescas, além de qualquer medida do bom senso:

"O processo - pegar uma vida de interesse moderado e transformá-la num mito - foi assustador em seu poder e amplidão. Tornou-se o oposto de qualquer coisa semelhante a jornalismo. Boas ações tornaram-se heróicas. A beleza transformou-se em divindade.

(...) Se há um lugar em que os jornalistas devem sempre se manter é longe das turbas ululantes, e não uivando com elas. Tanto os paparazzi quanto os milhões de telespectadores mereciam mais respeito."

*Texto extraído do saite GLOBO ON (Brasil)

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