Blow Up*
BLOW-UP, A HISTÓRIA DE UM FOTÓGRAFO (BLOW-UP) R:Michelangelo Antonioni (Inglaterra, Itália, 1965); A: Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra, segundo conto de Júlio Cortazar; F(cor): Carlo di Palma; M: Herbert Hancock; Mont: Frank Clark; P: Carlo Ponti/ Bridge Film/M.G.M.; I: David Hemmings, Vanessa Redgrave, Sarah Miles, Verushka, etc.; D: 111 m; Ed.Video: Legal Video;CI: xxxx /M/18 anos) Thomas, fotógrafo jovem, moderno, dominando o universo da moda, durante um passeio num parque de Londres, capta algumas imagens, onde posteriormente vem a descobrir um assassínio. Primeiramente não se apercebe do significado das fotografias conseguidas (chega a dizer a um amigo que essas fotografias, de um par amoroso num parque, destinavam-se a terminar uma obra sua, dado o sentido aparentemente pacífico das mesmas), mas depois, perante a insistência de uma rapariga que o visita pedindo o rolo das mesmas (que diz, iriam comprometer ainda mais a sua vida particular), resolve interessar-se por elas, revelá-las, estudá-las, ampliá-las (donde Blow-Up). Conclui então que essa rapariga havia participado no assassínio de um homem, de colaboração com um cúmplice, que se refugiava entre o arvoredo, engatilhando um revólver. Prosseguindo nas investigações, estas levam-no de novo ao parque, onde se encontra ainda o corpo da vítima. De regresso a casa, encontra-a revolvida de alto a baixo, tendo desaparecido todos os vestígios do crime. No dia seguinte, o próprio cadáver deixa de existir. Um grupo de rapazes e raparigas (habitantes de Carnaby Street, de rostos pintados e fatos exóticos) improvisam uma partida de ténis, sem bola. Uma jogada mais violenta leva a bola até aos seus pés. Todos o olham. Thomas apanha a bola e reeenvia-a para o jogo. Num campo verde de relva a câmara afasta-se lentamente de um homem que ocupa o centro da imagem ... Este fio de intriga vagamente policial é a base sobre que assenta a obra de Antonioni. O essencial continuará a ser, todavia as relações do indivíduo com a realidade, a luta pela significação de uma presença humana num mundo desabitado (ou aparentemente habitado) de que o homem colhe informes dispersos, desregrados, esbatidos, insignificantes. Neste aspecto, Blow-Up vai ligar-se coerentemente com o final de O Eclipse, constituído por uma série de planos desintegrados de uma realidade que se perde. Blow-Up regressa a esse desequilíbrio entre o homem, a sociedade e o mundo que habitam. Estas anotações tornam-se flagrantes no caso da fotografia ampliada, onde um amontoado de sinais negros e brancos aguçam a curiosidade de Thomas, levando-o a tentar ordenar esse sistema, procurando averiguar, no seu íntimo, quais as relações existentes e as causas possíveis. Esta fotografia, uma verdade bidimensional irrefutável, só assume o seu completo significado depois de interpretada. O mesmo acontece na pintura pontiforme de Bill, um artista com quem Thomas conversa sobre o significado da sua arte. Para ele, também os seus quadros só adquirem a completa significaçáo tempos depois de concluídos e repensados. Em Blow-Up, Antonioni vai repensar ele próprio o cinema (que é uma sucessão de fotografias, projectadas a uma cadência determinada, mantendo entre si significações intrínsecas e de relação, ou seja, de montagem). André Bazin afirmara, sobre a fotografia e o cinema: com a pintura reside na sua objectividade essencial. Assim, um grupo de lentes que constituem o olho fotográfico, que substitui o olho humano, chama-se precisamente objectiva. Pela primeira vez se forma uma imagem do mundo exterior sem intervenção criadora do homem, segundo um determinismo rigoroso. O cinema surge como um prolongamento no tempo da objectividade fotográfica. Blow-Up medita ainda a técnica e a sua função. A máquina fotográfica para Thomas transformou-se no prolongamento da sua própria mão. O aparelho admite, contudo, uma captação de uma objectividade superficial (reconhecida aparente e incompleta) e uma possibilidade de estruturação da realidade que lhe permitirá chegar até ao conhecimento do crime. De um lado a cristalização objectiva, de um outro o romper dessa falsa objectividade, numa tentativa de atingir uma realidade que constantemente se nega e afirma (caso flagrante: a conversa de Thomas com Jane sobre a sua vida, a mulher, os filhos, o casamento). Nesta civilização, onde os elementos dispersos se oferecem ao olhar vertiginoso do homem moderno, impossibilitando-o de uma análise detalhada e profunda, bem assim como de qualquer tentativa de organização do conhecimento, Thomas pretende aprofundar, afirmando-se a si próprio perante um caos. Move-o uma atitude, quase díriamos de desportivismo (tal como quando luta por um cabo de uma guitarra eléctrica, que não quer para nada, e logo deixa no passeio). Apanhado numa engrenagem, responde. De posse da solução do crime, Thomas encontra-se perante a indiferença, sente-se momentâneamente desorientado e confuso, mas na partida de ténis final ele voltará a entrar no jogo das aparências, no mundo onde as ilusões sufocam as realidades. *Lauro António. "Cinema e Comunicação Social", edição do Festival Internacional de Cinema de Portalegre. |