Declaração cheira a ignorância e arrogância de um Rei Sol |
Sua única queixa [de Murdoch] quanto ao uso de fotos dos paparazzi foi a de que seus jornais pagaram demais por elas
Roy Greenslade The Guardian / O Estado de S. Paulo 09/10/1997
Londres - Quando parecia que os editores de jornais se haviam unido numa campanha de saneamento posterior à morte de Diana, eis que surge um proprietário maroto: Rupert Murdoch. Ele naturalmente não sente a vergonha e humildade demonstradas pelos editores de seus dois tablóides, Stuart Higgins (do jornal The Sun) e Phil Hall (do News of the World). Ambos declararam que não publicariam fotos tiradas pelos paparazzi, os 'moleques das câmeras', como Hall os chamou. Ambos concordaram reservadamente com lorde Wakeham, presidente da Comissão de Queixas contra a Imprensa, em obedecer a um código mais rígido de conduta dos editores - que praticamente proíbe fotos tiradas por indiscretos. Higgins e Hall admitiram - a exemplo de seus concorrentes - que, publicando tantas fotos do gênero no passado, foram longe demais. No entanto, Murdoch discorda. Com todo o rompante, ele alegou que seus jornais não foram os maiores culpados. Não foram os piores transgressores? Onde pensa ele que o News of the World e o Sun se situam na escala da 'ruindade'? Ele apresentou um argumento capcioso que seus editores, apesar de toda a ousadia, acharam melhor não usar. Ao criticar o proprietário do Daily Mail, lorde Rothermere - chamando-o de hipócrita -, Murdoch lembrou-nos que o Sun comprou aquelas notórias fotos do beijo de Diana e Dodi al-Fayed, mas, piamente, alegou: 'Tínhamos grande respeito pela princesa Diana'. É muita ironia. A declaração de Murdoch cheira a arrogância e ignorância. Ele se nega a admitir que seu império agiu mal e parece ignorar que a situação mudou após a morte de Diana. Sua única queixa quanto ao uso de fotos dos paparazzi foi a de que seus jornais pagaram demais por elas. Que ótimo! A ética ajuda o balanço financeiro. Que Deus ajude seus editores se a moralidade ameaçar os lucros, claro. Em sua recente biografia, Andrew Neil, ex-editor do Sunday Times, referiu-se a Murdoch como 'Rei Sol', figura presunçosa que perdeu contato com o mundo real e é incapaz de ouvir os que conservam o contato. Isso certamente pareceu verdade, a julgar pelos comentários arrogantes. Murdoch talvez esteja com a razão ao argumentar contra os que pedem leis sobre privacidade - alegando que se destinam a pessoas já privilegiadas. Mas sua atitude cavalheiresca para com os paparazzi solapa toda proposta sensata de eliminar sua espécie com auto-regulamentação. A seguir, Murdoch distorceu a lógica ao afirmar que vamos notar 'muito mais moderação' nos jornais. De onde vem essa moderação se os editores sabem que seu proprietário não se importa nem um pouco? Outrora, quando ainda não se tinha transferido da Inglaterra para a Austrália, Rupert Murdoch auscultava os sentimentos dos ingleses. Agora, ele se equivoca com o estado de espírito do público. Também quer que esqueçamos sua enorme responsabilidade pelo que aconteceu ao jornalismo britânico nos últimos 25 anos. |
* Texto publicado originalmente pelo jornal 'The Guardian' e reproduzido pelo jornal brasileiro
O Estado de S. Paulo (Brasil)
Artigo respigado do saite do 'Observatório da Imprensa' (Brasil)