Como na Suisa |
Capítulo III Página 2
-- Eu cá daqui não como nada, que não gosto destas comidas. Até me mete impressão o João da Neta a lambuzar-se todo com esse de chize, faz-me lembrar o Lentilha, quando nos mandava rir a todos na fotografia dos casamentos. Digam chize, digam chize. Cá o Pimpão, como não sabia inglês, ficava sempre casmurro nas pelingrafias. Deus tenha o Lentilha, era bom homem. Então o professor já sabe que estes malvados do governo agora até querem acabar com a tropa? No nosso tempo andávamos a batê-las quatro anos, obrigados a ir para as áfricas e tudo. Agora acabou-se! -- Olha que eu prefiro ver a tropa acabada do que andarem por lá mulheres. Tem algum jeito, as mulheres a defenderem a pátria? Havia de ser bonito, se os espanhóis por cá entram, um dia destes... -- E os rapazolas que lá andam hoje, Vanderlei? Alguns nem tu diferençavas se são homens ou mulheres. Agora até já usam brinco e tudo... -- Sinal dos tempos, meus amigos, sinais dos tempos. Quando a rapaziada começou a deixar crescer as melenas -- no tempo dos Beatles, lembram-se?, -- também diziam que vinha aí o fim do mundo. E vejam lá se o mundo não continuou na mesma. Muitos desses cabeludos são hoje pessoas de grande valor, alguns até estão no governo. A moda é um fenómeno muito curioso, e não vale a pena remarmos contra a maré. Quem vos ouvir com essa conversa da tropa há-de dizer que isto é um bando de reaccionários... -- Então o professor não acha que um país a sério tem que ter uma tropa forte? Eu infelizmente safei-me por causa da espinha, mas foi um desgosto que nunca se apagou... -- Um país a sério com uma tropa forte? Talvez sim, talvez não. Não boto opinião em áreas que não domino. Pessoalmente nunca gostei muito dos militares, mas isso não vem agora ao caso. Para verem como a história se repete, reparem no diálogo que vos trouxe hoje, e que fala dessas coisas do exército: '(...) Só o nosso exercito e a marinha consomem por anno uns doze ou treze mil contos de reis. E afinal não temos marinha, assim se pode dizer, porque os nossos navios de guerra são uns chavecos que para nada servem, a não ser para estarem a gastar todos os dias dinheiro em reparações. O nosso exercito, cujos soldados são os nossos filhos, o sangue do nosso sangue, e a quem nós sustentamos sabe para o que serve principalmente? Para guardar as costas à familia real e a quantos magnates ha lá pelo alto. Serve para fuzilar o povo, como ainda aconteceu a ultima vez o anno passado no dia das ultimas eleições, em que foram mortos em Lisboa 14 pessoas, que não tinham comettido a mais leve sombra de crime. Quando o Povo pede o que de justiça lhe é devido, quando o Povo quer usar dos seus direitos, quando o Povo não quer deixar esfolar-se, quando o Povo quer, por meios licitos, protestar contra qualquer injustiça, sabe o que lhe acontece? Ser furado pelas balas dos revolveres da policia, ou pelas espingardas dos militares, ser pizado pela cavallaria, atravessado pelos sabres. E quem são esses soldados? São os filhos do povo! Elles, coitados, não são os culpados, não. O soldado é pouco mais que uma maquina, que trabalha á ordem do commandante. Quantas vezes não poderá o soldado atirar contra o seu pai, o seu filho, a sua mulher, a sua irmã, o seu amigo, o seu vizinho! -- Mas ó sr. António, elle sempre é preciso haver quem guarde a nossa terra, o nosso Portugal. -- Pois está visto que sim. E lá nesse ponto o exercito português é o mais valente e o mais destemido do mundo. Tem alcançado grandes victorias que honra o nosso país. Mas podia haver um exercito maior e muito maior e quasi sem se fazer despeza a não ser no armamento. E não sabem como? Como na Suisa. Ali todo o cidadão em chegando à edade competente é obrigado, quer seja rico quer seja pobre, que lá não ha remissões a dinheiro, a ir um tanto tempo a aprender o exercicio e a saber pegar numa arma. Passado esse tempo, que será duns dois ou trez mezes, o individuo vem para sua casa e lá de tempos a tempos, aos domingos volta no seu concelho a fazer exercicio para não esquecer o que aprendeu. -- Pois isso assim é bom. -- Bom!... Optimo, digo eu...' -- O professor Vergílio acha mesmo? -- Não é a minha opinião, não vês que ainda estou a ler o jornal? -- Desculpe. |