Os tilifones

Capítulo I           Primeira Página

-- Olá meus amigos. Então que alvitram para a nossa conversa de hoje?

-- O Ti Vergílio alembra-se que quando isto inda era uma taberna e não um fastifud, ficou uma vez de nos falar duns serões à antiga portuguesa, c'umas conversas muito engraçadas?

-- Já sei do que falas, João da Neta. De umas crónicas que apareciam com alguma regularidade num jornal cá da nossa terra, o 'Commercio da Louzã'. Ui, mas isso dava para escrever um livro, passarei um ror de meses a falar-vos desses escritos.

-- Então quanto mais rápido acomeçar, mais depressa lá chegamos ao final...

-- Estávamos em princípios de 1910, o regime monárquico dava as últimas, e os jornais que não simpatizavam com o sistema vigente ferravam-se às canelas do poder como gato a bofe. Para além das notícias, dos comentários, das crónicas, dos respigos de jornais de Lisboa e do Porto, havia quem simulasse uns diálogos entre um erudito e vários homens do povo. Afinal de contas, uma forma talvez mais eficaz de dizer as coisas, uma maneira de fazer chegar a mensagem ao povo usando linguagem que a gente simples compreendesse melhor. Percebeste, Vanderlei?

-- Pois percebi. É como a gente estamos a fazer aqui agora. Só que na altura devia dar uma trabalheira, pois decerto que ainda não havia os gravadores para enlatar as conversas da gente...

-- Não havia gravadores, não senhor. Nem telefone tampouco. Vê lá bem que andavam então a instalar, em Coimbra, os carris para os primeiros eléctricos e os fios para os primeiros telefones. Tilifones, era isso, tilifones, como dizia o senhor Manel, que um belo dia descera da Lousã até Coimbra e regressara a casa desnorteado com tanta modernice.

-- Assim como eu fico com a cabeça quando o meu Pedro Bruno me começa para lá a falar dessas coisas da intrenet, e de eu qualquer dia poder falar com o meu tio que está no Brasil e ver a cara dele pelo telefone também. É cada maluquice que os que estudam muito nos inventam, ora bem! E eu que até sou um rapaz moderno. A impressão que me meteu a minha avó que Deus tenha não querer acreditar que o amaricano tinha chegado à Lua.

-- Pois ao tempo nem telefones...

-- E morreu sem acreditar. Aquilo é que era mesmo uma ateia das modernices, que Deus a tenha!

-- Pois ao tempo nem telefones havia, homem de Deus. Há até um diálogo muito curioso sobre esse assunto, publicado a 31 de Agosto de 1910. Ainda ontem o li aos meus alunos, aproveitando a passagem do Dia Mundial das Telecomunicações. Se quiserem, posso lê-lo num instante, é pequenito.

-- Rapaziada, calô, que o senhor professor Vergílio vai botar leitura...

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