P a p a r a z z i

A. M. Pires Cabral*

Repórter do Marão

Já tive ocasião, aqui atrasado, de sair em defesa dos paparazzi. Não que simpatize com a profissão, antes pelo contrário. Mas porque os via, na circunstância, acusados de todas as bandas e em todos os tons da morte de uma senhora que na verdade não foram eles que mataram.

O fenómeno paparazzi é uma coisa dos nossos dias, em que o enorme incremento dos meios de comunicação social criou a sociedade voyeurista. Tudo quanto cheire a escândalo, a adultério, a amores clandestinos -- vende a rodos. Dir-se-ia que a emancipação sexual a que assistimos nos últimos anos é regateada aos famosos, e que os amores deles são sempre pecaminosos ou, pelo menos, merecedores de uma espreitadela entre deleitada e reprovativa. Daí que os paparazzi perseguissem a princesa Diana. Eles respondem a uma exigência do público -- um certo público que, por carência de valores mais elevados, se interessa por coisas desse tipo. Esse público pedia fotografias dos beijos de Diana no convés dalgum iate, das carícias de Diana, se possível das intimidades de Diana. Como muito bem disse António Pinto Leite, na sua coluna do Expresso, as pessoas que andaram uma semana de lágrima no olho pela morte de Diana são as mesmíssimas que teriam ficado deliciadas com o picante de saber de que maneira Diana teria passado aquela noite. Os paparazzi, convenhamos, foram um bode expiatório fácil, ali mesmo à mão de semear. Só que, como todos os bodes expiatórios, expiaram culpas alheias.

De resto, a sociedade que alimenta os paparazzi andou uma semana revoltada contra eles, mas não tomou emenda. Se hoje lhe derem, é um supor, a notícia de que Diana estava grávida (esclareço que não sei se estava, se não) há-de querer saber de quem andava grávida, quando ficou grávida, se pensou ou não em interromper a gravidez, etc e tal.

Que essa sociedade continua igualzinha a si mesma, prova-o também o facto de que, segundo vejo hoje no telejornal, a primeira edição d uma alegada 'verdadeira história' de Diana, da autoria de um tal senhor Andrew Morton, publicada numa tiragem de muitos milhares já depois da morte da princesa, esgotou quase instantâneamente e uma segunda edição foi hoje posta à venda, e vaticina-se que vá pelo mesmo caminho. E uma terceira e uma quarta, que esse público tem como uma das suas características típicas ser vasto e insaciável.

O livro reproduz, alegadamente, entrevistas em que Diana fala da sua vida com Carlos. Logo, trata de ciúmes, adultérios, cenas conjugais, escândalo. Que diferença haverá então entre esse senhor Morton e um paparazzo? Não prosperam ambos a explorar a curiosidade do público por essa casta de assuntos? E o público que se debulhou em lágrimas à passagem do funeral da princesa não é exactamente o mesmo que esgotou em menos de uma semana o livro do senhor Morton?

O que quer dizer que nem o sacrifício da vida de Diana -- a tão chorada Diana -- chegou para travar a curiosidade mórbida deste público tablóide que é hoje três quartas partes da humanidade ocidental. Caso para dizer que Diana morreu em vão.

Disse Thomas Carlyle: 'Nenhum grande homem viveu em vão. A história do mundo não é mais do que a biografia dos grandes homens'. Que teria ele contudo dito da morte de Diana?

*Texto incluído na rubrica 'Cesto da Gávea', publicada no jornal "Repórter do Marão" (Portugal)

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