Abriu a Feira da Luz

António Costa Santos*           Expresso 06/09/1997

Serve esta crónica para falar dos restos da Lisboa rural, que brilham no Largo da Luz, durante todo o mês de Setembro, já este ano uma vez mais.
O estado do sítio aparentemente não está para feiras. É de choque, pela morte de Lady Di, que conhecíamos há muitos anos, das revistas do coração, mas não há forma de abordar a questão da sua prematura e trágica morte, uma vez que as notícias sobre o infausto evento se sucedem a um ritmo que não se compadece com o de um semanário.
Tudo estava preparado para imolar os abjectos 'paparazzi', cujas fotografias avidamente consumiram os que agora lavam as mãos com lágrimas, quando a polícia francesa vem dizer que o motorista de Diana e Dodi estava bêbedo e, no dia seguinte, que o homem nem tinha carta para a cilindrada do Mercedes em que fugiam, não esqueçamos, porque nada alivia a culpa deles e a nossa, de um bando de vampiros, caçadores de imagens escandalosas, pagas a peso de ouro pelos donos e editores dos tablóides britânicos e sucedâneos continentais, publicadas para nosso, salvo seja, gozo.
As revelações sucedem-se, pelo que, aguardando a descoberta de que o indivíduo conduzia sob falsa identidade, sendo o seu verdadeiro nome Luís Braile, o melhor mesmo é falar da Feira da Luz e guardar os sentimentos nobres para dois miúdos de 12 e 15 anos que ficaram sem mãe, mais uma mulher jovem e um milionário breve que perderam a vida, para já não falar nos estropiados pelas minas, que viram morrer uma amiga do peito, capaz de congregar, com uma fotografia, mais atenções para a sua causa do que um livro inteiro de Sebastião Salgado, com dois mil retratos de crianças estropiadas, esta sem um braço, aquela sem uma perna, a outra, que era tão bonita, sem maxilar inferior.

Que violência! A realidade é assim, iníqua e desleal. Num momento destes, nem um bode expiatório nos consente. Mas a vida continua e esta geração estava mesmo a precisar de um mito.

Marylin, se fosse viva, tinha a idade da minha mãe. James Dean podia ser meu pai, se tivesse tido juízo e entrado só em filmes da Tóbis. Che Guevara, não fora a ditadura boliviana, a asma e uns militares sem noções de estratégia, e era hoje um velho ministro de Fidel, um dinossauro excelentíssimo mais, isto é: não valia um charuto. O Cobain que Deus tem, só é mito para os nossos filhos, e quanto a Elvis, vou ali já venho; nasci no pós-guerra, francamente. Diana, essa, será sempre nossa.
Diremos que ainda vive num castelo, clandestina, prisioneira dos Windsor e da moral, ou que
era uma santa e nos faz muita falta.
Quanto à Feira da Luz, encerra dia 30.

* Texto publicado pelo Jornal "Expresso" (Portugal)

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