Diana - a Princesa infeliz, amiga dos infelizes, irmã dos pequeninos, aristocrata do coração

Antero da Silva Resende

O Dia

06/09/97

(...) Eduardo VIII, que se tornara duvidosamente famoso pela descontracção com que levava para a cama as mulheres que o seu dedo apontava, iria abdicar do trono por não ser capaz (palavras suas) de reinar sem ter ao lado a mulher que amava...

Os ingleses nunca lhe perdoariam e impuseram-lhe um implacável exílio. A senhora Simpson não foi capaz, apesar da sua férrea determinação, de subir ao trono britânico pela mão de um rei rendido a encantos que ninguém Ihe reconhecia; mas pôde gabar-se de ter reinado toda a vida no coração de um rei destronado.

Latente, o vírus, dos extravios da Corte, reactivar-se-ia mais tarde com a graciosa princesa Margarida. Era porventura o mais inocente dos desatinos. Margarida, corno sua irmã, contemplara anos a fio o espectáculo medonho dos bombardeamentos alemães. Vira com seus olhos de menina esses heróis da aviação, que, em condições desfavoráveis, subiam para enfrentar os aparelhos inimigos. Um desses heróis sobreviveu: o major Townsend. E o amor aproximou-os. Mas o major era casado; e Isabel, pouco mais velha que a irmã, reeditou os rigores do Palácio. Margarida teve de violentar as inclinaçoes do coração diante do protocolo real. Um príncipe pode ser tudo, mas não pode ser vulgar.

Porém, a guerra pôs o mundo de pernas para o ar. E foi nesse universo revolto que viram a luz e cresceram os filhos de Isabel. Os severos portões e janelas daqueles palácios onde se respirava o ar coado pela rigidez da Corte, tremeram nos gonzos; e pelas brechas secretamente abertas entrou o ciclone mundanal. Isabel, que nunca teve coragem de acabar com essa farsa de chefe da Igreja Anglicana que a torna refém do arcebispo de Cantuária; Isabel que se prestou à afronta de um aborto decretado pela Câmara dos Comuns só para não mudar a data da sua visita a Austrália, não foi capaz de ter mão firme sobre os filhos nem de calefetar de novo as frestas das mansões reais. De fora para dentro e de dentro para fora, o Palácio abatia-se diante da erupção da aventura e do pecado. Os britânicos, estupefactos, jà só isentavam a Rainha, dessa maré negra de dissolução e de escândalo.

Diana casou com o herdeiro do trono para com ele partilhar inteiramente a vida. Mas esse herdeiro, à semelhança de outros 'absolutistas' em questões de amor, casara para ter herdeiros e não para ser fiel à mãe deles. Todo o palácio lhe impunha a ela o silêncio e a solidão só quebrados nas cerimónias oficiais, onde Diana não tardaria em represar custosamente as lágrimas.

Vieram depois os aproveitadores, os ladrões de reputações, os traidores dos trinta dinheiros por conta de editores cúpidos de escândalos e de riqueza. E sobreveio a tragédia conjugal. O choque terminara em divórcio. E o Palácio viu-se livre da princesa cuja distinção e beleza abriam sulcos luminosos nos corações...

3. O choque com o poder mediático está em curso. Certas publicações vêem-se acusadas pelos tribunais da opinião pública como autoras materiais dos enxovalhos a que sujeitavam a Princesa e como autores morais da tragédia que lhe roubou a vida. Não é que esta questão seja líquida como não é líquida a fronteira da vida privada das figuras públicas, há dias objecto de um debate televisivo sem pés nem cabeça. Uma figura pública vê-se quase sempre expropriada pela sua fama. E enquanto se não privatizar numa existência apagada, longe dos consumidores de sensacionalismos que se alimentam de preferência de escórias defesas à higiene do nariz e da alma, não tem vida privada. Todas as leis são platónicas perante este fenómeno. Tanto mais -- e isto diga-se em defesa dessas publicações -- que o esplendor mediático serve de instrumento a esses vultos famosos quando lhes apraz dar a conhecer ao mundo a legenda das suas acções e a poeira doirada da sua passagem pelos caminhos da vida.

No caso vertente: Diana não seria hoje esta figura nimbada de angelitude no sentimento da incontável multidão universal se os meios de comunicação a não tivessem de facto universalizado, infelizmente nem sempre separando o trigo do joio; infelizmente, nem sempre guardando as saudáveis proporções. Afinal foi da Corte que partiram os primeiros difamadores e os negociantes da vida privada.

Mas a tragédia levanta uma questão de fundo, muito mais grave: a legitimidade desse poder mediático. Diana, sim, morreu a fugir desses novos fabricantes de equívocos e de escândalos, que chegam a forjar documentos para linsonjear o paladar de turbas ignaras. Diana chegou a pedir-lhes misericórdia. Mas o mundo deste negócio reles, onde engordam sucateiros inteiramente desprovidos de sentimentos humanos, é implacável. Quando veio à TV fazer as suas confissões, respondendo mesmo a perguntas que seriam inadmissíveis e que o entrevistador não faria, por exemplo a um ministro, Diana estava à beira do desespero e sentiu-se humilhada.

Diana morreu, mas com ela vão certamente morrer muitos abusos e excessos de um poder pirata que deu em reger os destinos do mundo e dos protagonistas do seu mando, sem prestar contas a ninguém.

No tempo em que tanto se fala de democracia e de legitimação do poder, os estadistas e seus serventuários chegam-se aos meios de comunicação, invariavelmente de cócoras (...)

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