da Dor
Dinis Manuel Alves
Dor... é uma palavra pequena mas intensa e triste.Assim
a sinto, assim a vejo, assim a penso. Mas
de que dor falo... para dela poder falar? Da minha? Da dos outros? E posso falar da dor dos
outros sem falar da minha? Posso sentir a dor dos outros sem ser a partir
da minha? Posso medir a dor dos outros com outra escala que não a minha? Na
dor, como em muitas outras coisas na vida, sinto que somos todos
extraordinariamente auto-referenciais. Assim, conhecemos a dor dos outros
através da nossa dor e com a dor deles vamos afinando as nossas dores e
vamos (re)construindo a(s) nossa(s) vida(s). Com
base na nossa dor, melhor dito, (re)experienciando as nossas vivências de
dor, medimos as dores dos outros e classificamo-las em pequenas, grandes,
insignificantes, inúteis, maturativas, mentirosas, injustas,
arrasadoras... A
dor da perda é, geralmente, uma DOR enorme, tanto para as crianças como
para os adultos. Para estes últimos, a Morte constitui talvez uma das
perdas mais significativas, em que à dor de ver partir alguém querido se
junta o sofrimento por aquilo que não se fez ou por aquilo que não
voltará a fazer-se com quem nos deixou. O Tempo e a Memória cruzam-se
inevitavelmente com esta dor: muitas vezes começam por amplificá-la,
dando ao sofrimento psíquico uma dimensão corporal, ainda que neles
residam também as possibilidades de reorganização de um quotidiano que
pode vir a encher-se de novas alegrias e de outras dores. A solidão, seja ela resultante de um (auto)isolamento ou de uma (sócio)exclusão, magoa muito quem se sente só mas talvez incomode muito mais quem a ela assiste e dela se afasta para não se sentir implicado ou co-responsabilizado. Nessa distracção do olhar procuramos, muitas vezes, enganar o paradoxo em que ficamos encerrados – o de sentir que aquelas solidões solicitam o nosso envolvimento embora o nosso individualismo apele ao afastamento. A solidão de quem está só magoa mais o coração de quem a experiencia embora seja geralmente mais discreta para quem a ela assiste. Por isso pode crescer numa escalada a que o suicídio, a loucura ou a senilidade podem pôr fim. A solidão de quem é
socialmente excluído empobrece o sujeito, cada vez mais, porque o
desqualifica na sua capacidade de ser verdadeiramente dono do seu papel e
de ser agente na busca de alternativas mais enriquecedoras. Nesse sentido,
esta solidão é uma reprovação à nossa incapacidade de terminar com o
sofrimento social e questiona-nos no nosso próprio bem-estar. Por isso
enganamos tantas vezes o olhar para iludir a dor da nossa impotência e do
nosso não-envolvimento. Num País como o nosso,
essencialmente católico, a expiação, o sacrifício, a entrega ao
destino que um Deus traça, parecem constituir, para muitos, a melhor
forma de prevenir novas dores e de agradecer novas alegrias. Que
nela, é esse o meu desejo, nunca ninguém fique preso de uma falta de
liberdade pessoal, porque essa talvez seja, juntamente com a capacidade de
criar novas alternativas, a maior força que cada um de nós tem para
transformar a dor. Madalena AlarcãoCoimbra, 27 Dezembro 2000 |