A morte ... e a vida

Aos poucos Sarajevo vai-se levantando dos escombros. Os escombros parece nada dizerem aos bósnios, quase só valem hoje para quem vem de fora e sente os olhos fustigados de tamanha destruição. As marcas da guerra vão-se apagando, há edifícios novos pintados com cores garridas, berrantes mesmo, propósito de apagar os tons cinzentos e verde-caqui da guerra. O centro de Sarajevo já regorgita de vida, o eléctrico-placard da Benetton vai deixando a mensagem ou o sonho das "United Colors", se todos fizessem do placard um programa de vida seria bom. Dizem-nos que não, que quando a paz se desarmar rebentam todos aos tiros outra vez, sinal de que a NATO talvez monte estaca e se perenize por aquelas bandas. Há, é verdade, quem cate o almoço e umas roupinhas no lixo, mas muito menos que noutras capitais sem guerra; há mulheres a pedir com rebento ao frio, mas menos que em Lisboa e Coimbra. Não vimos estropiados, não é fácil fotografar, que todos receiam seguir logo para o álbum dos criminosos de guerra. Há muitos carros das organizações não governamentais (ONG), concentração maior em Sarajevo. Dizem-nos que os "beneméritos" das ONG's só gostam de estar onde a sua acção tenha visibilidade, desgraçados dos desgraçados das paragens mais longínquas, como as crianças da creche de Cajnice. A professora lamentava-se de seis longos meses à espera que alguém por ali aparecesse com vontade de tapar as abertas por onde entra a água da chuva e da neve. A morte faz o mesmo traçado das estradas, há rios cemitérios de carros, mais difíceis de enterrar que os mortos de carne. Há lápides nas bermas, alguns terão caído por mor de imprevidências automobilísticas, outros à força das balas cruéis. Por Sarajevo, Rogatica, Gorazde, Visegrad, a morte vai-se soletrando com "m" de museu, a vida vai ganhando terreno, com "V" de vitória à guerra estúpida. Por enquanto, por quanto tempo, seria bom que fosse para sempre.