Operação Milian

No restaurante do centro de Sarajevo encontramos fotografia de Eusébio emoldurada na parede, autografada a pedido do dono, um ex-futebolista do Galatasarai, que há muito, muito tempo, jogou contra Eusébio em competição europeia. Fez o pedido à nossa tropa , o embaixador luso deu uma mãozinha, e Eusébio autografou fotografia frente à estátua que o pereniza frente ao estádio do Glorioso. No restaurante de Sarajevo ouvia-se Dulce Pontes, o mesmo em cafés de Rogatica, também Paulo Gonzo, outros mais. Faro para o negócio, sinal de simpatia para bons clientes? "Se não gostassem qualquer coisa de nós, mesmo que gastássemos muito dinheiro não faziam o que fazem, nomeadamente aqui em Rogatica, terra de sérvios. São muito frontais, quando não gostam de uma pessoa dizem-nos na cara, sem quaisquer peias" -- lembra um oficial, que já ouvira uma dessas, quando se recusou entregar a totalidade dos medicamentos prescritos para tratamento de um sérvio: "Como medida de precaução, para evitarmos a possibilidade dos medicamentos entrarem em circuitos do mercado negro, doseamos essa entrega. O tal senhor perguntou se eu estava a desconfiar dele, eu disse que não, que cumpria ordens, e ele de imediato me disse que não gostava de mim, que não simpatizava comigo".

Música portuguesa que já tocará para além dos cafés e restaurantes da Bósnia. Por ali floresce o mercado dos discos compactos piratas. A quinhentos escudos a unidade, com qualidade aceitável para leitores não muito exigentes, o negócio vai de vento em popa. Tanto, que há dias, os chefões do negócio -- suspeita-se que sejam croatas --, aumentaram o preço de cada cd para 700 escudos. Há músicas para todos os gostos, dinheiro bem empregue principalmente para quem é fã dos "greatest hits", "best off", "super hits" e "best ballads". Dos Scorpions aos Cure, dos Boney M a Prince, U2, Deep Purple e Janis Joplin, a oportunidade é única para constituir discoteca, preencher brechas no espólio que já se tenha, dar de beber ao revivalismo. Por artes nem muito desconhecidas -- algum cd emprestado por uns dias --, e nas lojas de cd's também encontramos música portuguesa à venda: Dulce Pontes, Paulo Gonzo, Rui Veloso, Silence Four, Amália Rodrigues. Por mais que tal possa doer a Luiz Francisco Rebelo, é assim mesmo. Há lojas de cd's piratas até em barracas na estrada para Sarajevo, há lojas de cd's em todo o lado. Nalgumas delas, o cliente também pode de lá sair melhor agasalhado, pois vendem roupas, melhor perfumado, que há por lá fragrâncias enfrascadas. Não curámos de saber se os nossos soldados eram, no período pré-Bósnia, melómanos inveterados. Mas que vêm de lá com os ouvidos bem mais preenchidos, lá isso vêm. Compram cd's às dezenas, e também o imprescindível leitor portátil. Nas lojas implantadas junto às unidades por várias das forças integrantes da SFOR, lojas conhecidas por "PX", há leitores portáteis a preços convidativos, e aparelhages estereofónicas sofisticadas, das compactas a outras mais robustas. Por essa razão, hoje já não se ilude o rugir ensurdecedor do C-130 com rádio de pilhas ou leitor de cassetes, quem manda é o leitor de discos compactos. E para a sala da casa da aldeia, vila ou cidade do torrão vêm as aparelhagens mais pesadas. Se, à ida, nas caixas com rótulo denunciado víamos muito papel higiénico e whiskie na barriga do C-130, no regresso quem mais dava nas vistas eram as "JVC", "Technics", "Panasonic" e "Sony".

Apesar da comissão ser curta de seis meses, as saudades do torrão são muitas. Ouvimos quem dissesse que as semanas começam e acabam às quartas-feiras, o dia de chegada e partida dos aviões C-130. Ouvimos dizer "já só faltam sete aviões!", o mesmo é dizer que daqui a sete voos, sete semanas, estarão de regresso a Portugal. Já todos vieram de férias, quem vive na aldeia sentiu mais na pele a glória da estada por terras longínquas: "Os amigos vêm ter connosco, fazem-nos muitas perguntas sobre a Bósnia. Sentimos que somos alvo de admiração, por parte das pessoas da terra" -- garante um soldado de Murça. Um seu próximo, de Vila Real, aceita equiparar o regresso, em férias, aos regressos dos emigrantes das Franças e dos Luxemburgos, tempos idos. O soldado viu nos olhos que hoje o miram com admiração, o espelho do olhar que ele próprio deitava aos "champignys", quando estes regressavam vez primeira da estranja, a admiração dos que tinham a coragem de soltar amarras, de partir.


Na foto: Auscultadores nos ouvidos, viola pronta para quando faltarem as pilhas ao leitor de cd's